Ao mesmo tempo que vive do petróleo, Noruega investe firme na economia verde
Os 5,5 milhões de habitantes do país no extremo norte da Europa adotam tecnologias sustentáveis em ritmo mais veloz do que em qualquer outro lugar

Um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Noruega atravessa uma experiência inédita: está investindo vastos recursos na transição para a economia verde. Os 5,5 milhões de habitantes do país no extremo norte da Europa adotam tecnologias sustentáveis em ritmo mais veloz do que em qualquer outro lugar, privilegiando a captura de carbono e a transposição para veículos elétricos, que já representam quase 90% das vendas de modelos novos. Ao conectá-los, dispõem de uma rede elétrica que funciona 95% à base de energias limpas — à frente do Brasil, que costuma se gabar (com razão) de seus 89% de fontes renováveis. Isso em um notório petroestado, que extrai mais óleo per capita do que russos, americanos e sauditas e tem nos combustíveis fósseis a metade de sua receita de exportação.

A descoberta de petróleo no Mar do Norte, em 1969, mudou de patamar a posição da Noruega entre seus pares. De renda per capita 30% menor do que a dos Estados Unidos e 15% inferior à da vizinha Suécia, hoje ultrapassa a média dos americanos em 4% e a dos suecos em 18%. “Já estávamos entre os dez países mais ricos antes do petróleo. O que fez a diferença foi a maneira de administrar a riqueza”, observa Benedicte Bull, professora do Centro de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade de Oslo. Os lucros obtidos alimentaram o que viria a se tornar o maior fundo soberano do mundo, hoje com 1,5 trilhão de dólares em ativos, três vezes o PIB norueguês. O fundo usa seu peso para acelerar a transição a uma economia mais verde no país e em toda parte (no Brasil, é o maior investidor do Fundo Amazônia), pressionando a infinidade de empresas em seu portfólio a abraçar metas sustentáveis.
A ideia de usar o dinheiro das perfurações de petróleo para patrocinar uma transição energética é o argumento que tem sido usado pelo governo daqui, dentro do esforço de convencimento para a exploração das reservas da Margem Equatorial. O exemplo norueguês mostra que isso pode ser feito, sim, mas depende da aplicação de uma política séria, com metas bem definidas. Estimulada pelo governo a despoluir sua produção, a indústria do país nórdico toma medidas pouco vistas no resto do mundo. Em novembro, a Yara International, produtora de fertilizantes — setor que emite globalmente mais carbono do que aviação e transporte marítimo juntos —, inaugurou ao sul de Oslo a maior usina de hidrogênio verde da Europa. Na mesma região, uma fábrica de cimento será a primeira do mundo a capturar carbono durante suas operações, mudança que conta com 200 milhões de dólares em recursos públicos. Oslo, aliás, foi a primeira cidade do planeta a definir uma meta drástica para canteiros de obras (a construção civil é responsável por 40% das emissões mundiais): a partir do ano que vem, não podem mais liberar CO2 na atmosfera. Em paralelo, a Noruega já tem mais bombas de calor por domicílio, que trocam o gás natural por fontes renováveis para aquecer casas e prédios, do que qualquer nação tirando o Japão. E até o final deste ano será o primeiro país onde veículos elétricos superam carros com motor a combustão.

O equilíbrio entre pensar no futuro e usufruir da dependência mundial de combustíveis fósseis não é fácil. As sanções contra a Rússia por invadir a Ucrânia levaram o continente a se voltar para o gás norueguês. Resultado: a receita líquida da indústria petrolífera saltou mais de 350% de 2021 para 2022, para 127 bilhões de dólares, e levou o governo a conceder um número recorde de licenças de exploração. A expansão despertou acusações de greenwashing, a prática usada por poluidores de fazer de conta que estão preocupados com o meio ambiente. Em entrevista a VEJA, o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre, disse que é, sim, necessário deixar para trás a era fóssil, mas a mudança tem que ser gradual. “A era dos renováveis não vai ser inaugurada do dia para a noite”, ressalta. Analistas concordam que será impossível substituir sem dor uma indústria equivalente a 20% do PIB, mas apontam que o sacrifício também oferece oportunidades. “A Noruega é o maior produtor de energia hidrelétrica da Europa e tem bom potencial para energia eólica”, avalia Steffen Kallbekken, conselheiro do Comitê de Mudanças Climáticas do governo nórdico. Os próximos anos dirão se o país dos vikings vai se transmutar de vilão em herói climático.
Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934