Mais frequentes e devastadores, os eventos climáticos extremos se tornaram uma pauta impossível de ser ignorada — seja o calor calcinante do verão do Hemisfério Norte, seja a seca que afeta os reservatórios brasileiros. São eventos que não apenas surpreendem em sua magnitude, como impactam a economia afetando a produção agrícola, a geração de energia e, em última análise, os preços de uma vasta gama de produtos. Não é à toa que as discussões sobre sustentabilidade ambiental migraram dos debates das ONGs e chegaram aos balanços de bancos e empresas.
As grandes instituições financeiras já se autorregulamentam por meio da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que estabelece diretrizes para mitigar os impactos dos riscos ambientais nas operações. Uma normativa da entidade de classe estabelecia parâmetros sustentáveis para serem seguidos pelas instituições, como pedir o registro de perdas efetivas causadas por eventos socioambientais e a previsão de impactos negativos de novos produtos e serviços. Tal postura já dificultava a concessão de empréstimos a propriedades dedicadas à agropecuária encrencadas por desmatamentos na Amazônia ou em outros biomas.
Esse cenário entra agora numa outra fase, uma vez que, neste ano, o Banco Central, presidido por Roberto Campos Neto, assumiu o tema como uma de suas prioridades. Com uma agenda batizada de BC# Sustentabilidade, a instituição propôs uma guinada nas diretrizes sobre o assunto, com forte enfoque na análise de riscos, com peso substancial para as ameaças das mudanças climáticas. Até então, cabia aos bancos avaliar os riscos do mercado e de crédito aos quais estão expostos, com foco nas condições da economia e da própria instituição. Agora, o BC avisa que deseja saber também se problemas ambientais podem afetar o setor. “As consequências econômicas dessas mudanças vão além dos impactos dos eventos climáticos extremos ao considerar os custos associados à transição para uma economia de baixo carbono”, diz Fernanda Guardado, diretora de assuntos internacionais e de gestão de riscos corporativos do BC. “O setor financeiro deve estar pronto não apenas para dar crédito para financiar esse processo, mas também para gerenciar os riscos envolvidos.”
Desde o início do ano, o BC lançou três consultas públicas para discutir sua agenda ambiental. A primeira delas, encerrada em abril, se refere a normas para a concessão de crédito rural. Já a segunda e a terceira, finalizadas em junho, tratam do aprimoramento de regras que gerenciam o risco social, ambiental e climático, e o estabelecimento de critérios para divulgação de informações pelas instituições financeiras. “Os bancos centrais não têm de olhar só para a inflação, mas também para a melhoria do ambiente financeiro como um todo. Com isso têm de estar preparados para aprimorar a competitividade do segmento, o que, hoje, passa pela sustentabilidade”, afirma o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC e ex-presidente do conselho do BNDES. Quando um banco opera com empresas não sustentáveis, há o risco de o fator ambiental prejudicar os negócios e levá-las eventualmente à falência e, dessa forma, gerar um impacto capaz de afetar o sistema financeiro. “Mesmo em um governo que não liga para isso como o atual, a questão é importante para o BC, principalmente depois de conquistada a sua autonomia”, explica Gomes.
Mesmo antes de encerradas as consultas do BC, o setor já começa a se movimentar. O Itaú Unibanco, ao definir a concessão de crédito, se vale de questionários com parâmetros sinalizados pelo BC. Além disso, criou um plano para treinar seus 80 000 funcionários e, principalmente, os gerentes de agências. “O grande desafio é justamente fazer o conceito chegar à pessoa física”, diz Luciana Nicola, superintendente de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú Unibanco. No fim de 2019, a instituição firmou um compromisso de impactos positivos via concessão de crédito, com a meta de conceder 100 bilhões de reais em empréstimos a empresas responsáveis até 2025. No mês passado, ao ultrapassar a cifra de 122 bilhões de reais, o objetivo foi elevado para 400 bilhões. O Banco do Brasil, numa decorrência de seu perfil de clientes, adota classificações nas carteiras para agricultura. Em junho deste ano, essa modalidade de operação com parâmetros sustentáveis bateu em 102,5 bilhões de reais. Todas as operações de crédito rural do banco público já passam pelos sistemas do BC, sujeitas a mais de 1 200 verificações. Com isso, não basta mais às empresas que buscam empréstimos provar que são boas pagadoras. É preciso também mostrar que em suas atividades zelam pela preservação da natureza.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2021, edição nº 2752