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‘Brasil precisa recuperar protagonismo no âmbito climático’, diz cientista

Membro do painel de Mudanças Climáticas da ONU, Paulo Artaxo diz que políticas devem beneficiar a população em primeiro lugar

Por Ligia Moraes Atualizado em 4 jun 2024, 15h07 - Publicado em 4 jun 2024, 14h34

O mundo enfrenta uma realidade assustadora à medida que a crise climática ganha destaque, amplificando emergências globais e ameaçando desfazer décadas de progresso em saúde pública. O ano de 2023 foi confirmado como o período mais quente nos registros de dados de temperatura global desde 1850, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, implementado pela Comissão Europeia. As reverberações desse calor se expressam das mais diversas formas, incluindo a exacerbação da insegurança alimentar, o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, além da proliferação de doenças sensíveis ao clima — tema da capa de VEJA desta semana –. 

Por mais que existam iniciativas importantes como o Acordo de Paris, que propõe a meta de limitar o aumento da temperatura média global para 1,5 °C, há fortes indícios que que esses “combinados”, só existentes no mundo das ideias, não terão efetividade. Inclusive, é provável que atinjamos  2,7 °C até o final do século XXI e cheguemos a casa dos 2°C já em 2050, o que acarretaria em um aumento de 370% nas mortes relacionadas ao calor, de acordo com projeções divulgadas pelo periódico científico The Lancet

Membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), Paulo Artaxo diz que o Brasil pode dar o exemplo mundial de restringir as emissões de gases do efeito estufa zerando o desmatamento da Floresta Amazônica até 2030, conforme se comprometeu dentro de suas obrigações no Acordo. 

O país tem, segundo Artaxo, uma “vantagem extraordinária” em relação a outros países nos esforços pela agenda verde. “Sabemos que 52% de nossas emissões estão associadas ao desmatamento, e não há maneira mais barata, fácil e rápida de zerar as  emissões do que acabar com a desflorestação da Amazônia.

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Referência nacional e internacional no tema, ele é incisivo ao propor uma intervenção. “O país tem que aproveitar essa oportunidade e implementar políticas que recuperem as áreas degradadas em todos os biomas brasileiros, inclusive no Pampa Gaúcho. Isto vai ser muito importante para diminuir o impacto dos futuros eventos climáticos extremos”, finaliza o especialista, que também é professor do Instituto de Física da USP.

A retomada do protagonismo brasileiro 

Em vista disso, Paulo Artaxo incentiva a retomada da liderança brasileira no cenário ambiental e climático global como feito nas conferências da ONU Rio-92 e Rio+20. “Agora na COP29, no Azerbaijão, e, principalmente, na COP30, em Belém do Pará, o Brasil precisa recuperar o protagonismo no âmbito climático global que acabou perdendo por uma série de ações contrárias ao ambiente, ao clima e inclusive ao interesse da população.”

O físico reitera o apoio da população ao fortalecimento da legislação que protege o meio ambiente e os cidadãos em situação de vulnerabilidade, principalmente em meio a tragédias, como as inundações no Rio Grande do Sul. “Nós temos de implementar políticas que são interesses da população e não política que seja do interesse do agronegócio, da mineração ou de interesses específicos”, argumenta. 

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Apesar do contexto atual ser alarmante, Artaxo tranquiliza os ânimos mais assustados ao dizer que ainda há tempo de evitar os cenários mais catastróficos. “O painel intergovernamental sobre mudanças climáticas deixa claro que esta é a década chave. Até 2030, temos de mudar o panorama da exploração dos recursos naturais do planeta. E quanto mais cedo fizermos isso, mais fácil e barato será a implementação e menor será o prejuízo da população com as condições climáticas extremas.” 

O governo tem de agir agora

Os fenômenos das mudanças climáticas nunca podem ser confundidos com meros desastres naturais isolados. São fruto do descaso público, assim como desastres de gestão e de planejamento governamental que poderiam ser evitados com o devido investimento em infraestrutura urbana, tecnologias verdes e o cumprimento de diretrizes globais sobre mudanças climáticas.

“Desastres como o do Rio Grande do Sul deixam muito claro o que o governo brasileiro tem que fazer, particularmente o Congresso, que tem sido a principal fonte de destruição de legislação de proteção ambiental do país”, afirma o especialista. De imediato, Artaxo incentiva duas tarefas: zerar o desmatamento da Amazônia e eliminar a exploração de petróleo, além de investir em energias sustentáveis como a eólica e solar.

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Sobrevoo sobre áreas alagadas de Porto Alegre
Sobrevoo sobre áreas alagadas de Porto Alegre (Giulian Serafim/PMPA/Divulgação)

Política ainda é um impasse para sustentabilidade 

Se o mundo caminha em direção a um iminente colapso, as políticas vigentes corroboram para esse destino. De uma forma geral, os países mantêm a dependência de combustíveis fósseis e deixam as comunidades mais vulneráveis para trás na transição essencial para fontes de energia sustentáveis. A implementação do Acordo de Paris é um imperativo global para o meio ambiente e uma necessidade crítica de saúde pública. Falhar em agir em direção à meta de 1,5°C resultará em consequências severas para a humanidade.

A cadeia de interesses afetados com a adoção de medidas focadas na sustentabilidade é um entrave e a situação não é diferente no Brasil. “A política brasileira ainda está muito atrelada à lógica da maximização do lucro em um menor espaço de tempo possível, não importa o dano para a população ou para o meio ambiente” , afirma Artaxo. “Observamos isso em todas as instâncias: desde prefeituras, estados, até a Câmara e o Senado. O tempo inteiro são aprovadas legislações que enfraquecem os mecanismos de proteção ao meio ambiente. Isso deve mudar imediatamente.” 

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Água, Terra, Fogo e Ar

A agropecuária, carro-chefe da economia brasileira, já começa a colher os frutos de práticas pouco sustentáveis. O aumento das temperaturas e as alterações nos padrões de precipitação afetam a produtividade das colheitas. Secas mais frequentes e intensas, bem como inundações, comprometem a produção agrícola, levando a escassez de alimentos e aumento dos preços. Assim, estima-se que até a metade do século, mais 524,9 milhões de pessoas estejam vivendo em situação de insegurança alimentar moderada a grave. 

Nesse sentido, um dos exemplos mais simbólicos que reflete a condição de um planeta em ardência, são os incêndios florestais cíclicos como os que aconteceram no Canadá, em 2023, e já se iniciaram novamente esse ano. Essas queimadas devastam ecossistemas, destroem propriedades e ameaçam vidas humanas. Além disso, a liberação de grandes quantidades de carbono durante os incêndios contribui ainda mais para o aquecimento global.

As ondas de calor também são preocupação nos Estados Unidos, com mais de dois terços dos americanos sob alertas de calor em 2023. Assim, em abril, os Centros de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) lançaram uma nova ferramenta chamada “Heat and Health Initiative” que fornece uma previsão de calor de sete dias em todo o país, permitindo que as pessoas saibam quando as temperaturas podem atingir níveis que representam riscos à saúde. É um sinal de que o calor deixou de ser um mera condição meteorológica para se tornar uma ameaça global que exige políticas para proteger a população.

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Já no outro extremo do termômetro, a extensão do gelo marinho na Antártica atingiu mínimos recordes em oito meses durante o ano de 2023, de acordo com o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus. Além disso, a extensão do gelo marinho no Ártico atingiu o sexto mínimo anual em setembro desde que os registros nessa região começaram. Essas observações indicam um padrão de declínio contínuo do gelo marinho nos polos, o que é consistente com os efeitos do aquecimento global.

Atreladas a esse canério, as inundações, como vistas no Rio Grande do Sul, estão se tornando mais frequentes e severas devido ao aumento das chuvas extremas e à elevação do nível do mar. Cidades costeiras e áreas baixas são particularmente vulneráveis, enfrentando danos significativos à infraestrutura, perdas econômicas e deslocamento de comunidades. As inundações também têm impactos graves na saúde pública e na disponibilidade de água potável.

As mudanças climáticas matam

Nem seria necessário um documento formal para atestar que as mudanças climáticas já estão a todo vapor (e calor),  mas na falta de um,  o Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) concluiu que os riscos climáticos estão aparecendo mais rapidamente e se tornarão mais severos mais cedo do que o esperado, por isso, não há tempo a perder.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que 3,6 bilhões de pessoas já vivem em áreas altamente suscetíveis às mudanças climáticas. Entre 2030 e 2050, espera-se que as mudanças climáticas causem aproximadamente 250.000 mortes adicionais por ano devido à desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico. Os custos diretos dos danos à saúde (excluindo setores determinantes da saúde como agricultura, água e saneamento) são estimados entre 2 a 4 bilhões de dólares por ano até 2030. Países de baixa renda e pequenos estados insulares em desenvolvimento, apesar de contribuírem minimamente para as emissões globais, sofrem as maiores consequências. 

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