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Com energia de sobra: Como o Nordeste pode se beneficiar da transição energética

Atrair indústrias para utilizar todo o seu potencial e se consolidar como um polo da transição energética é um desafio para o Brasil

Por Rodrigo Loureiro
8 nov 2024, 06h00
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  • Foi nos anos 1930 que o Brasil viveu seu primeiro grande impulso industrial. O plano de Getúlio Vargas combinava investimento massivo em infraestrutura com medidas protecionistas para fortalecer a indústria nacional, então inibida por importações. Quase um século depois, o país ensaia uma nova onda de industrialização, desta vez impulsionada pela transição energética. O que não mudou em relação à era Vargas é a necessidade de investimentos estratégicos para realizar a transformação. A dimensão desse desafio é clara: segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a descarbonização da indústria brasileira até 2050 exigirá investimentos de aproximadamente 40 bilhões de reais — três vezes o orçamento anual do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O país parte de uma base privilegiada: sua matriz energética já conta com 49% de fontes renováveis, colocando o Brasil em posição de destaque no cenário internacional.

    O Nordeste emerge como protagonista dessa transformação. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revelam que a região responde por 82% da geração de energia eólica e fotovoltaica do Brasil. Se fosse um país independente, o Nordeste brasileiro produziria mais energia limpa que nações como França, Canadá, México e Austrália.

    O governo federal vê na abundância de energia renovável uma oportunidade única. “O Brasil tem um imenso potencial para ser o destino de investimentos internacionais de empresas que buscam descarbonizar suas operações”, afirmou Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, durante o VEJA Fórum — Oportunidades do Brasil na Transição para a Energia Verde, realizado por VEJA e VEJA NEGÓCIOS. “Temos energia renovável abundante e barata, e isso é essencial em um mundo cada vez mais digital.”

    Esse imenso potencial energético, porém, enfrenta um paradoxo: há energia em abundância, mas faltam consumidores. “O maior problema hoje no Nordeste não é gerar energia, mas escoá-la e garantir que haja demanda suficiente”, afirmou Eduardo Sattamini, presidente da Engie, segunda maior geradora de energia do Brasil. O executivo apontou que entre 15% e 20% da energia gerada na região pode se perder sem a demanda necessária. “Precisamos atrair indústrias para a região, ou corremos o risco de continuar desperdiçando essa energia”, disse Sattamini.

    INDÚSTRIA - Debate entre (a partir da dir.) Rizzato, da CNI; Fava, da Siemens; Rollemberg, do MDIC; e Sattamini, da Engie. Mediação: Caetano, de VEJA
    INDÚSTRIA - Debate entre (a partir da dir.) Rizzato, da CNI; Fava, da Siemens; Rollemberg, do MDIC; e Sattamini, da Engie. Mediação: Caetano, de VEJA (Flávio Santana/.)
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    Alessandro Rizzato, gerente da CNI, destacou que a entidade tem trabalhado em conjunto com empresas para criar fóruns e grupos de trabalho dedicados a temas como economia circular, transição energética e bioeconomia. “Já criamos cinco grupos de trabalho focados em descarbonização, o que mostra que há um movimento forte no setor privado em direção a essas mudanças”, afirmou Rizzato. “Precisamos trabalhar com missão e longo prazo para garantir um ambiente de negócios mais estável e atrativo para novos investimentos.”

    Para Pablo Fava, presidente da Siemens no Brasil, o país precisa melhorar sua capacidade de comunicar ao mercado global suas vantagens em termos de sustentabilidade. “A transformação já está acontecendo. O que falta ao Brasil é saber como vender isso para o exterior”, afirmou. A Siemens já oferece relatórios detalhados da pegada de carbono de seus produtos, usando tecnologias como blockchain para garantir a autenticidade das informações. Para o presidente da Siemens, seria interessante que o Brasil tivesse um “pedigree digital” de sustentabilidade em qualquer coisa que seja produzida no país. “Precisamos dar uma identidade digital e sustentável a tudo que é produzido aqui. Temos que usar a tecnologia para garantir essa transparência, o que pode nos colocar muito à frente de outros países.”

    Paralelamente à atração de indústrias, o país investe na distribuição da energia excedente para outras regiões. O Operador Nacional do Sistema Elétrico ativou recentemente quatro novas linhas de transmissão e uma subestação, ampliando a capacidade de escoamento da energia para as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. O projeto é fruto do leilão da transmissão realizado em 2018, que mobilizou 37,4 bilhões de reais em investimentos.

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    O processo de neoindustrialização brasileira, portanto, enfrenta desafios que vão além da capacidade de geração de energia limpa — área em que o país apresenta resultados promissores. O avanço dessa transformação exigirá uma complexa articulação entre atração de investimentos, desenvolvimento de demanda industrial e aprimoramento da infraestrutura de distribuição. Se conseguir equilibrar esses elementos, o Brasil terá condições de dar um passo importante para sua modernização industrial e ocupar uma posição relevante na nova economia de baixo carbono.

    Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição especial nº 2918

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