Correndo para estar pronta para a COP30, Belém esbarra no desafio da hospitalidade
As autoridades se mexem para ampliar a oferta e tentar baixar os preços
No coração da Amazônia, o Pará é um daqueles cenários feitos sob medida para receber uma conferência do clima da ONU. Como bioma estratégico no combate à escalada dos termômetros, o governo federal quer justamente exibi-lo em vitrine global e aproveitar para alertar o planeta sobre a necessidade da ajuda internacional para manter toda a rica floresta de pé. Foi após muitas costuras, que envolveram gente da área ambiental e da política, que a capital, Belém, acabou sendo escolhida para sede da COP30, entre os dias 10 e 21 de novembro. E a cidade, como ocorre com todas que já abrigaram a importante reunião, empreende obras e investe para receber uma multidão que quase nunca se vê por ali — avanços que, se tudo der certo, vão se incorporar à paisagem. Mas um ponto essencial vem preocupando especialmente as autoridades na linha de frente da organização: como alojar tantas pessoas ao mesmo tempo em um centro urbano com instalações hoteleiras em número limitado?
Fazer a conta fechar é tarefa complexa. Belém contabiliza hoje 36 000 leitos, enquanto o público de todas as nacionalidades previsto para aportar por lá é de 50 000 pessoas. Não por acaso, entre oferta relativamente baixa e demanda em alta, os preços dispararam a valores proibitivos — segundo levantamento de VEJA, multiplicaram-se, em média, por oito, o dobro da já vultosa inflação registrada em outras COPs. O Planalto resolveu então entrar em cena, tentando travar diálogo com o setor hoteleiro para frear as cifras, de modo a não espantar conferencistas e fazer feio aos olhos do mundo. À frente da iniciativa federal está o Ministério da Justiça, que via Secretaria Nacional do Consumidor notificou os 28 hotéis de Belém, solicitando que enviem dados sobre preços das diárias nos últimos cinco anos — incluindo o período também inflado do Círio de Nazaré, festa católica que atrai à cidade milhares de todo o país.
O objetivo é averiguar se a escalada de preços pode configurar abuso de poder econômico. Por ora, a medida não surtiu efeito, mas causou discórdia com a parte que, naturalmente, teme sair perdendo. “É uma ingerência indevida na atividade privada, violando os princípios constitucionais da livre concorrência”, manifestou-se em nota o Sindicato de Hotéis. O governo do estado também está em tratativas com empresários do setor, na busca de alguma espécie de acordo. “É preciso conciliar o direito de se estabelecer o preço por um determinado serviço com a responsabilidade e o bom senso”, declarou recentemente o governador Helder Barbalho (MDB-PA), em entrevista ao programa VEJA+Verde. Espera-se mesmo que o bom senso prevaleça, sem a necessidade de qualquer tipo de batalha judicial.
O assunto se tornou tão espinhoso que, procurados por VEJA, três dos melhores hotéis de Belém preferiram não informar os preços das diárias, alegando “questão de sigilo com o cliente”. Após mais de uma dezena de tentativas de obter valores de hospedagem, o mais baixo, entre os estabelecimentos que abriram os números, foi 25 000 reais pelos onze dias de convenção em um modesto duas estrelas — mais caro do que em quartos de categoria superior em metrópoles como Nova York e Paris na mesma época. A própria Secop, secretaria ligada ao Planalto que organiza o encontro, recebeu orçamentos com diárias que chegam a 25 000 reais, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo, e estuda se hospedar em uma vila militar. Nem mesmo o desvalorizado câmbio brasileiro suaviza a conta. Integrantes de delegações de dois países europeus e um da Ásia contaram a VEJA, pedindo anonimato, que estão adaptando os planos iniciais. “Tivemos que reduzir o número de pessoas que pretendemos enviar”, diz um diplomata.
Na busca por saídas, a Embratur firmou contrato com dois navios que irão atracar no porto, disponibilizando 6 000 leitos. Um quinto das cabines caberá aos integrantes da ONU, cuja estadia é de responsabilidade do país-sede. O restante será oferecido às delegações estrangeiras a preços a definir, porém certamente mais razoáveis do que os disponíveis hoje. Já os chefes de Estado e de governo ficarão em 405 suítes de padrão internacional, montadas para o evento na Vila COP30, próxima ao local da conferência. Outras iniciativas de baixo custo, sobretudo para integrantes de organizações civis que dispõem de recursos mais limitados, também estão sendo viabilizadas. O governo paraense irá adaptar dezessete escolas públicas para receber visitantes, e a ONG Instituto de Desenvolvimento da Amazônia (Idea) promove melhorias na infraestrutura de dois clubes para abrigar até 1 100 pessoas, acomodadas em beliches e quartos coletivos por 800 reais a diária. “Os hóspedes poderão usufruir ainda da piscina e da quadra de vôlei”, adianta o diretor do Idea, Robério Abdon.
Em outra frente, a alternativa encontrada pela Secretaria Estadual de Turismo foi firmar parcerias com plataformas de aluguel por temporada, como Airbnb e Booking.com, que conseguiram ampliar o leque de imóveis cadastrados de 700 para 5 000. Também empresas de corretagem especializadas em grandes eventos, farejando a oportunidade, bateram à porta de moradores para saber quem estaria disposto a deixar seu teto em troca de boa quantia por um aluguel durante a COP. Em bairros mais nobres, como Umarizal e Batista Campos, um apartamento de quatro quartos chega a 2 milhões de reais durante a conferência, um valor surreal, que corresponde ao preço de compra, de acordo com apuração de VEJA no mercado local. “Minha ideia é alugar nesses dias e ficar na casa da minha irmã, em Fortaleza”, conta o advogado Tiago Campos, que sonha faturar 100 000 reais com a empreitada. Que se chegue logo a um ponto de equilíbrio para que os participantes da COP só percam mesmo o sono com o que interessa: a saúde do planeta.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950
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