Encalhado na Antártica, iceberg com o tamanho de duas cidades de São Paulo preocupa o mundo
O A23a é mensagem que vem do gelo sobre o risco que estamos correndo

A Antártica, continente do tamanho de um Brasil e meio, é pontuada por icebergs, as placas de gelo que se desprendem dos glaciares e singram à deriva pelo mar. De dimensões variadas, dificultam a navegação e chegam a causar acidentes, como na mítica tragédia do Titanic, que em 1912 atingiu um desses blocos flutuantes e afundou com 2 208 passageiros. Há quase quarenta anos, uma dessas pedronas gigantes se separou de uma das plataformas de branco indizível: tinha mais de duas vezes a área da cidade de São Paulo. Batizado de A23a — o “A” de Antártica; o número seriado, porque antes houve 22; e o “a”, um código de alusão a blocos apartados de modo abrupto — o colosso passou a ser acompanhado por meio de imagens de satélite. No início do mês, encalhou próximo às Ilhas Geórgia do Sul, território do Reino Unido.
A estrutura estacionou a 80 quilômetros da costa, com avançados sinais de deterioração, porque saiu de seu hábitat natural, onde a temperatura média gira em torno de -2 graus, para um ambiente quatro graus mais quente. Embora as crateras ocas nas bordas indiquem fragilidade, o bloco é majestoso, com a altura de um prédio de setenta andares. É o segundo encalhe da montanha alva, que até 2020 estava presa em outro ponto (veja no mapa). O atual recanto é um paraíso para espécies de animais daquela região do planeta, mas um inferno para os poucos oficiais e cientistas britânicos que ali vivem.
E qual é o problema ambiental atrelado ao episódio? Há o risco de a passagem das colônias de pinguins, focas, leões-marinhos e albatrozes ser fatalmente interrompida. Mas há estudos que indicam outra resposta, dado o A23a ser rico em nutrientes e, ao desmoronar, oferecer fartura de alimento para a fauna. Contudo, para o bem ou para o mal, todo transtorno ou benefício será passageiro. “O iceberg deve se desintegrar rapidamente”, diz o glaciólogo Jefferson Cardia Simões, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E então, transformado em água, virará o sintoma de um imenso percalço da natureza, indício de que as coisas não vão bem, definitivamente. Episódios de derretimento de porções da Antártica têm aumentado com incômoda frequência nos últimos vinte anos. “Há dezenas deles espalhados na região”, diz o climatologista Francisco Eliseu Aquino, do primeiro Centro Polar do Brasil, criado na UFRGS. O especialista, que acaba de voltar de sua 19ª expedição à região, acompanha de perto a mudança de cenário, que virou objeto de uma nova pesquisa elaborada para identificar a influência do aquecimento global.
Há motivos de sobra para preocupação. Os ciclos de resfriamento e aquecimento extremos, que já aconteceram no passado longínquo, levaram quatro milhões de anos para se estabelecer. Mas a atual crise do clima é fruto de uma mudança ocorrida apenas em um século, devido à influência da industrialização e da poluição promovidas pelo ser humano. Não por acaso, pouco depois de ser anunciado o encalhe do A23a, a ONU deu o alarme: a temperatura média global em 2024 superou em 1,55 grau a registrada entre 1850 e 1900, período do início das emissões de gases do efeito estufa. É a primeira vez que o mundo ultrapassa o limite determinado pelo Acordo de Paris, o que deveria ser suficiente para disparar todos os alarmes. A saída: promover o crescimento sustentável e assim evitar respostas agressivas do meio ambiente. O A23a é mensagem que vem do gelo sobre o risco que estamos correndo.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935