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Estudo alerta: vazão do Rio São Francisco baixou significativamente nas últimas três décadas

Levantamento registra o tamanho da vulnerabilidade do recurso hídrico, provocado por mau-uso e falta de gestão sustentável

Por Valéria França Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 nov 2024, 21h56 - Publicado em 1 nov 2024, 21h55

O quarto maior rio nacional, o São Francisco alimenta 521 municípios, pertencentes a cinco estados, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, ao longo dos 2 814 quilômetros de extensão. É uma bacia de extrema importância econômica, que abastece cinturões agrícolas, longos trechos de navegação, seis hidrelétricas e água na torneira de mais de meio milhão de pessoas. Essa potência hídrica vem encolhendo significativamente, 60% ao ano, nas últimas três décadas, mais especificamente de 2012 a 2022. “O homem precisa mudar urgentemente a sua relação com a água”, diz um dos autores do estudo, Humberto Barbosa, coordenador o Laboratório de Análises e Processamento de Imagens, da Universidade Federal de Alagoas. O estudo foi publicado na revista britânica Water.

A informação cai como uma bomba diante da diminuição do sistema de chuvas no Brasil e a constatação que a gestão hídrica não é sustentável. Na região do semiárido, por exemplo, tem até plantação de coqueiros, em grande escala com sistema irrigável. “Trata-se de uma cultura ideal apenas para região litorânea, onde naturalmente chove muito”, diz Barbosa. Além de consumir muita água em um local carente, ela aumenta a salinização do solo.

São muitos os fatores que impactaram. Entre eles, a transposição do Velho Chico, como é chamado, iniciada em 2007, obra destinada a desviar parte das águas para regiões semiáridas do Nordeste, especialmente os estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Essa intervenção usa dois canais principais — o Eixo Norte e o Eixo Leste — que distribuem a água do rio para outras bacias hidrográficas nordestinas. Nas épocas de seca, por exemplo, o sistema de transposição compromete ainda mais o volume da bacia, que já desce naturalmente por causa do tempo. Atualmente há trechos visivelmente abalados, com ilhas de banco de areia, e profundidade máxima de 1 metros de água.

Degradação ambiental

A bacia do São Francisco também sofre com o assoreamento e a degradação ambiental, resultantes do desmatamento e do uso inadequado do solo. Isso reduz a capacidade de recarga e a qualidade da água, impactando ainda mais à vazão. Mesmo assim, não há ações de adequações em curso, que se tenha notícia. “É uma região de intensos conflitos pelo uso da água”, observa Barbosa. Apesar da constituição nacional determinar que o abastecimento da população tem prioridade, na prática, o uso agrícola e energético está sempre na dianteira. Não é um modelo sustentável.

Vulnerabilidade leva à calamidade

A mudança climática avança, mas não são os eventos extremos que trazem as calamidades. “O problema está na vulnerabilidade dos sistemas”, diz o pesquisador. Não existe planos de risco, para situações de emergências que diminuam os impactos. “A sociedade precisa largar conceitos antigos e não pode mais ficar alheia ao estado de vulnerabilidade que tende a ser cada vez maior.” A perspectiva é que 7 em cada grupo de 10 pessoas viverão nos centros urbanos nos próximos 25 anos. Como abastecer cidades ainda mais adensadas e que já dão sinais de colapso na infraestrutura? Os moldes atuais de crescimento de centros como São Paulo não correspondem à necessidade atual de emergência climática, nem muito menos prepara os locais para situações que podem ser ainda mais críticas. Enchentes que aconteciam a cada 100 anos serão mais frequentes. Desviar mais cursos de rios já sobrecarregados e poluídos pelo mal-uso pode ser inviável pelo esgotamento inevitável do recurso, caso as prioridades continuem as mesmas.

A situação do São Francisco é um alerta para gestores que não fazem nada para diminuir a poluição dos mares e dos rios. Mais ainda para uma sociedade que, segundo o Barbosa, parece alheia às questões do aquecimento global, como se não fosse atores de tudo o que acontece. “As mudanças só acontecerão se a sociedade exigir mudanças dos governos”.

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