Eles são adoráveis, inteligentíssimos e levantam o público com suas acrobacias em parques temáticos pelo mundo, mas não se deixe enganar pelo clima de euforia. Golfinhos parecem sempre exalar simpatia, mas seus sorrisos se devem pura e simplesmente ao formato curvado de seu maxilar. Já a diversão dos turistas geralmente ignora a forma cruel com que os cetáceos, grupo de mamíferos aquáticos que inclui também botos e baleias, são postos em cativeiro e explorados comercialmente há décadas.
O cassino The Mirage, em Las Vegas, nos EUA, está no centro da última polêmica. No fim de setembro, K2, um golfinho-nariz-de-garrafa que divertia o público com shows que podiam custar até 450 dólares por hora, morreu de forma inesperada, aos 11 anos (menos da metade do que seria considerado normal), com problemas respiratórios. Foi a terceira morte de golfinhos no Mirage em apenas seis meses. O cassino, operado pela MGM Resorts, fechou temporariamente a exposição dos bichos para investigações. A principal suspeita, para além do óbvio (presos em espaços reduzidos, cheios de cloro ou ozônio e que nada têm a ver com os oceanos, os animais silvestres ficam sob grande estresse), é a exposição ao forte calor da região durante as apresentações.
Os americanos foram os precursores da exploração de cetáceos na década de 70, mas hoje têm ampla companhia. Há mais de 300 delfinários operando no mundo (veja o quadro) e pouquíssimos com reais preocupações ambientais. A bióloga Julia Trevisan, analista de vida silvestre da World Animal Protection no Brasil, explica que, ao contrário do que ocorre com crianças, que estimulam a saúde e o bem-estar ao desenvolver habilidades, os cetáceos não são beneficiados em nada com os treinamentos com bolas, aros e afins. “Esses animais não levam uma vida digna”, diz. “Os treinamentos são severos e os deixam estressados e com fome, pois a recompensa é a comida.”
Os perigos vão além dos malabarismos. Segundo a entidade, 23% dos delfinários utilizam golfinhos para a realização de tratamentos de terapia assistida para pessoas com autismo ou outros transtornos. Por valores estratosféricos (podem chegar a 6 000 dólares por semana), os estabelecimentos colocam os pacientes em contato direto com os animais supertreinados e dóceis. O problema: não há comprovação científica de sua eficácia. Na melhor das hipóteses, trata-se de uma experiência agradável, que poderia ocorrer com outros animais, como cachorros ou cabras. Na pior, põe tanto golfinhos como humanos em risco. Há relatos de mordidas e outros incidentes em clínicas desse tipo.
A situação dos golfinhos pode não ser tão sangrenta ou midiática quanto, mas segue a mesma lógica de um problema escancarado pelo maior dos cetáceos: as orcas, popularmente chamadas de baleias assassinas. Mais até do que o clássico hollywoodiano Free Willy (1993), o evento que mais jogou luz sobre o problema foi a tragédia que abateu a treinadora Dawn Brancheau. Em 2010, ela foi arrastada até a morte pela orca Tilikum, sob o olhar horrorizado dos visitantes do Sea World. Não foi um caso isolado, como bem mostrou o premiado documentário Blackfish (2014). Diante da repercussão, o parque anunciou o fim de seu programa de criação de orcas e países como o Canadá criaram leis nesse sentido.
O Brasil é um exemplo a ser seguido. A captura de cetáceos é proibida no país desde 1987, e há diversos locais onde turistas podem desfrutar da exuberância de golfinhos, como Fernando de Noronha (PE), Baía Formosa (RN), Baía dos Golfinhos (SC) e Ilha do Cardoso (SP). Com liberdade e segurança, é melhor para todos.
Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812