Países apoiam plano de US$ 200 bilhões por ano para reverter perdas na natureza
Negociações convocadas pela ONU em Roma concordam com estratégia de financiamento, mas decisão sobre novo fundo global ficou para 2028

Mais de 140 países adotaram uma estratégia para mobilizar centenas de bilhões de dólares anualmente com o objetivo de reverter as perdas dramáticas na biodiversidade. No entanto, a criação de um novo fundo global para a natureza — uma demanda central das economias em desenvolvimento — ainda não foi definida.
Os países reunidos na 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), realizada em Roma, decidiram adiar a discussão sobre a criação desse fundo até 2028. A medida busca acelerar o fluxo de financiamento para projetos ambientais, mas reflete o impasse já observado na cúpula anterior, realizada na Colômbia, no ano passado.
O acordo estabelecido orientará os países sobre como arrecadar 200 bilhões de dólares anualmente até o fim da década para alcançar as metas do Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal. Esse pacto histórico, adotado em dezembro de 2022, abrange desde a proteção da água potável até a redução do desperdício de alimentos pela metade e a limitação do uso de produtos químicos nocivos.
A decisão foi considerada uma “solução equilibrada e de compromisso”, afirmou Maria Angélica Ikeda, líder da delegação brasileira. Segundo ela, o Brasil — que sediará a próxima grande cúpula climática da ONU, em novembro — celebrou o avanço nas negociações.
Pelo acordo, os países desenvolvidos são incentivados a “intensificar seus esforços” para mobilizar 20 bilhões de dólares anuais para as nações mais pobres até o fim deste ano. O pacto também prevê um estudo sobre a relação entre sustentabilidade da dívida e proteção da natureza — uma proposta considerada inovadora e progressista —, além de reforçar a necessidade de uma maior integração entre os ministérios do meio ambiente e das finanças.
O consenso alcançado demonstra que “os países podem se unir e concordar com um resultado ambicioso para a natureza”, destacou Georgina Chandler, chefe de políticas da Sociedade Zoológica de Londres. Ela ressaltou que o acordo reconhece a insuficiência do financiamento governamental e a necessidade de diversificar as fontes de recursos nos próximos cinco anos.
Retrocessos e desafios na diplomacia ambiental
A luta global para conter as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade tem enfrentado desafios constantes. Nações emergentes acusam os países desenvolvidos, em sucessivas cúpulas da ONU, de não fazerem o suficiente para ampliar o financiamento climático e ambiental.
Esse impasse foi agravado por decisões políticas recentes, como a retirada dos EUA do Acordo de Paris e o corte de verbas para o combate às mudanças climáticas durante o governo de Donald Trump.
No mês passado, Trump determinou o congelamento de fontes essenciais de financiamento para a biodiversidade, incluindo repasses à Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.
Além disso, nesta semana, o Reino Unido redirecionou recursos da ajuda externa para despesas de defesa, aumentando a pressão sobre os negociadores em Roma.
Embora os EUA não sejam signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica e, portanto, não tenham influência direta nas negociações, a ausência de sua delegação na COP16 foi notável.
Na manhã de quinta-feira, o Brasil, representando o grupo Brics — que inclui Rússia, Índia, China e Irã —, propôs um rascunho de texto que, à tarde, tornou-se a base das negociações. “Havia um vazio. Foi natural que interviéssemos”, afirmou Ikeda.
No entanto, alguns países em desenvolvimento que defendiam a criação de um novo fundo global para a natureza saíram frustrados de Roma. Em vez de uma decisão imediata, ficou acordado um processo de análise da proposta, com uma resolução final prevista apenas para 2028.
“As florestas estão queimando, os rios agonizam e os animais estão desaparecendo”, alertou Juan Carlos Alurralde Tejada, principal negociador da Bolívia. “A biodiversidade não pode esperar por um processo burocrático interminável.”
A República Democrática do Congo e a Bolívia estão entre os países que consideram o Fundo Global para a Biodiversidade, sediado em Washington, D.C., excessivamente controlado por nações ricas. Enquanto isso, doadores como Reino Unido, Suíça e Nova Zelândia resistem à criação de um novo fundo, argumentando que isso não garantiria mais recursos e poderia fragmentar ainda mais o cenário de financiamento da biodiversidade.
O interesse do setor financeiro na biodiversidade
O setor financeiro tem demonstrado crescente interesse na biodiversidade como uma nova frente de investimento. Na quinta-feira, a Goldman Sachs Asset Management lançou seu primeiro fundo de títulos voltado para a biodiversidade, impulsionado pela alta demanda do mercado.
Além disso, um grupo de instituições financeiras, em parceria com a Finance for Biodiversity Foundation, anunciou uma iniciativa para integrar melhor a perda da natureza na estrutura de financiamento da dívida soberana.
No entanto, apesar do crescente interesse, a biodiversidade continua sendo um desafio para o mercado financeiro, que destaca a necessidade de diretrizes governamentais claras e oportunidades de investimento rentáveis para viabilizar uma participação mais ativa.