As estimativas variam conforme a fonte, mas uma coisa é certa: a demanda por petróleo vai continuar crescendo na próxima década, em boa medida puxada pela expansão de grandes economias, como a Índia e a China. Só na Índia, o consumo de petróleo atingiu cerca de 232 milhões de toneladas em 2023, um aumento de 5,5% em relação a 2022. Até o fim da década, o país deverá responder por quase um terço do aumento da demanda global pelo combustível, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
A entidade, que reúne os maiores produtores do mundo, prevê um crescimento de 24% na procura por petróleo e gás até 2050 em relação a 2023, com o consumo chegando a 374 milhões de barris por dia. Até lá, a demanda somente por petróleo deve aumentar quase 18%. Na visão da Agência Internacional de Energia, um pouco mais conservadora, a expansão de consumo da matéria-prima deve ser da ordem de 10% nesse período. “Todos os cenários, prevendo um maior ou menor grau de descarbonização, indicam que precisaremos de petróleo”, disse Mauricio Tolmasquim, diretor de Transição Energética da Petrobras, no VEJA Fórum — Oportunidades do Brasil na Transição para a Energia Verde, promovido por VEJA e VEJA NEGÓCIOS. A expectativa é que o mundo conviva por algum tempo com um cenário de maior produção de petróleo, com tecnologias de descarbonização da produção e redução da emissão de poluentes.
Além de atender às economias em crescimento, especialmente na Ásia, o mercado deve se desenvolver em regiões nas quais o fornecimento de eletricidade ainda é inexistente ou precário. “Quase 700 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à energia elétrica, sendo que 80% delas estão na África, e bilhões ainda cozinham com combustível inadequado”, afirmou Décio Oddone, presidente da Brava Energia, uma das principais empresas independentes do setor de óleo e gás no país. “Não existe sociedade desenvolvida que não seja uma grande consumidora de energia, por isso há muito espaço para o crescimento.”
Globalmente, boa parte da demanda por petróleo deverá ser suprida por países que não pertencem à Opep, como Estados Unidos, Guiana, Canadá e Brasil. A América Latina deve se destacar nesse cenário. Em 2015, foram descobertas grandes reservas de petróleo no litoral da Guiana. Somando 11 bilhões de barris, as jazidas vêm sendo exploradas pela americana ExxonMobil e outras empresas do setor. No Brasil, a expectativa é produzir cerca de 3,2 milhões de barris de óleo e gás por dia até 2028, 15% a mais do que o volume atual, segundo a Petrobras.
A estatal brasileira pretende investir cerca de 7,5 bilhões de dólares de 2024 a 2028 em novos projetos de exploração de petróleo — cerca de cinquenta poços devem ser perfurados, dos quais 25 se localizarão nas bacias do Sudeste. Outros dezesseis serão na Margem Equatorial, uma faixa litorânea que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte — esse projeto, no entanto, ainda precisa de licença do Ibama.
Embora mantenha o foco no petróleo, a Petrobras também olha para as alternativas. No mesmo período, a empresa planeja investir 11,5 bilhões de dólares em projetos de descarbonização das operações e no amadurecimento dos negócios em segmentos como o de diesel renovável, obtido pelo processamento do diesel mineral com óleo vegetal. “Toda empresa de petróleo está preocupada em se descarbonizar e investir em combustíveis alternativos, até porque a demanda por petróleo em algum momento deverá ser menor do que a atual”, disse Tolmasquim.
O Brasil tem sobressaído entre os países que mais investem em tecnologias de descarbonização da produção do setor de óleo e gás. A Petrobras desenvolveu um programa de captura e armazenamento de CO2 nos campos pré-sal — o gás carbônico é separado do gás natural nas plataformas de exploração e depois é reinjetado no reservatório. A empresa também patenteou uma tecnologia que permite a separação do CO2 extraído junto com petróleo em plataformas submarinas e sua reinjeção no reservatório, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa.
Outros grandes participantes do setor têm seguido o mesmo caminho. A Shell, por exemplo, está investindo em um projeto para utilizar hidrogênio como combustível para motores de embarcações marítimas como navios-sonda e navios-tanque. A tecnologia deve reduzir a emissão de carbono e o consumo de combustível. “A indústria de óleo e gás deve se tornar menos poluente e mais competitiva, e o Brasil tem um potencial enorme nesse sentido”, afirmou Flavio Rodrigues, vice-presidente de relações corporativas da Shell.
Em busca de alternativas
Nessa corrida pela descarbonização, também estão previstos investimentos em combustíveis alternativos, como o hidrogênio e o combustível marítimo misturado com biodiesel. As pesquisas estão aceleradas. A Shell e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) criaram o Centro de Pesquisa para Inovação em Gases do Efeito Estufa no campus da Universidade de São Paulo, na capital paulista. O objetivo é o desenvolvimento de soluções para a redução de poluentes.
Ao mesmo tempo, a indústria de petróleo e gás está cada vez mais atenta a oportunidades no setor de biocombustíveis, em um esforço para que esses produtos passem a integrar seu portfólio. Grandes produtores de petróleo, como a Arábia Saudita, vêm investindo inclusive em políticas públicas para atrair projetos de energias alternativas e reduzir, no médio e longo prazo, a dependência do petróleo. A expectativa é que, quando a demanda atingir o pico e depois começar a cair, em um horizonte de quinze anos, tanto países quanto empresas estejam prontos para a transição energética. “Devem surgir novos negócios e novas oportunidades”, avalia Tolmasquim. A intenção é aproveitar essa onda e reforçar o papel do país como competidor mundial do mercado de combustíveis.
A Petrobras pretende se tornar uma das empresas líderes na agenda de transição energética, quadruplicando a produção de biocombustíveis até o fim da década. Pioneira no desenvolvimento de combustível para navios misturado ao biodiesel, a companhia realizou neste ano a primeira comercialização do produto, que foi vendido para o mercado interno. Além disso, a estatal criou uma tecnologia para processar o diesel obtido do petróleo com óleo vegetal ou gordura animal, dando origem ao diesel renovável. A ideia é que o produto ajude a descarbonizar os transportes no Brasil. Recentemente, a mineradora Vale fechou um acordo com a Petrobras para adquirir o diesel renovável e abastecer suas locomotivas.
As fronteiras de inovação dos biocombustíveis também passaram a fazer parte do planejamento estratégico da indústria de óleo e gás. Um bom exemplo é o SAF, o combustível sustentável de aviação. Embora sua produção esteja nos primeiros estágios mundialmente, e ainda seja necessário superar desafios como o custo do produto, em média 135% maior do que o combustível comum de aviação, o SAF é uma das maiores apostas do mercado para descarbonizar o transporte aéreo. A Petrobras pretende inaugurar duas unidades produtoras de SAF nos próximos anos. “Queremos ser grandes players mundiais na transição energética”, disse Tolmasquim. O desafio é fazer essa transição antes que seja tarde demais.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição especial nº 2918