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Por que o Rio Grande do Sul é tão vulnerável aos extremos do clima?

Em três décadas, estado sofreu cerca de 65 bilhões de reais em prejuízos por causa do clima inclemente, recorde no Brasil

Por Ernesto Neves Atualizado em 8 Maio 2024, 13h55 - Publicado em 7 Maio 2024, 08h06

O desastre que se abate sobre Porto Alegre e quase a totalidade do Rio Grande do Sul já entrou para a história do Brasil como um dos mais graves já enfrentados pelo país.

Em dez dias, o equivalente a um ano de chuva desabou sobre o estado, causando uma situação de colapso social.

O novo cataclisma climático acontece pouco tempo depois de outros desastres traumatizarem a população gaúcha.

As chuvas já causaram ao menos 85 mortes, há 111 desaparecidos e 121.000 estão desalojados, números considerados sem precedentes.

Em setembro de 2023, o Rio Grande do Sul já havia enfrentado enxurradas consideradas históricas, situação que se repetiria pouco tempo depois, em novembro.

Essa repetição, afirmam especialistas, acontece porque o Rio Grande do Sul é extremamente vulnerável aos extremos do clima, cada vez mais frequentes por causa do aquecimento global.

De acordo com levantamento do Atlas Digital de Desastres no Brasil, que serve como base de dados oficial para esse tipo de informação, o Rio Grande do Sul é o segundo estado com mais registro de catástrofes do clima nos últimos 30 anos. Em primeiro está Minas Gerais, e em terceiro, Santa Catarina.

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A pesquisa considera como situações extremas os registros de temporal, vendaval, granizo, enxurrada, inundação, alagamento, seca e estiagem. Os dados apontam que, entre  1991 e 2022, o estado enfrentou 7.565 desastres.

Esse total representa 12% de todas as ocorrências registradas no Brasil durante o período. Esses números utilizam dados da Defesa Civil Nacional, que reconhece 65 tipos de eventos, segundo a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade).

Já quando considerados os prejuízos impostos pelo clima, o Rio Grande do Sul assume a dianteira.

Somados os custos públicos e privados impostos por desastres entre 1994 e 2022, foram R$ 64,6 bilhões em prejuízos.

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Dessa quantia, R$ 63,1 bilhões são privados, e R$ 1,4 bilhão, dinheiro público, de acordo com o levantamento do Atlas Digital.

Para os meteorologistas, tamanha instabilidade climática acontece porque o RS enfrenta com frequência choques de massas de ar quente e frio, o que favorece a formação de eventos meteorológicos intensos.

Esses choques estão cada vez mais intensos por causa do efeito estufa. A massa de ar quente que cobre e bloqueia a atmosfera e impede a dispersão das chuvas no momento, por exemplo, está 5 graus acima do normal para esta época do ano.

Segundo climatologistas, modelos matemáticos apontam que o Rio Grande do Sul experimenta tendência de aumento da precipitação média anual e da precipitação extrema, ou seja, quando acontecem chuvas concentradas e torrenciais.

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De acordo com pesquisa realizada pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão que pertence ao Ministério da Ciência e Tecnologia, essa mudança no clima gaúcho teve início há seis décadas, ou seja, está longe de ser novidade para estudiosos e autoridades.

Ainda de acordo com o Cemaden, o Rio Grande do Sul é o quarto estado com mais cidades sob risco de catástrofes naturais. Em primeiro está Minas Gerais, seguida por Santa Catarina.

Em outubro de 2023, outro levantamento, este elaborado pelo governo federal, mapeou 142 municípios gaúchos vulneráveis a desastres. O estudo incluiu a capital, Porto Alegre.

Essa pesquisa publicada pelo governo federal estimava, com base na população dessas cidades, que 313.000 pessoas estavam em áreas de risco.

Para se ter uma ideia do tamanho do desastre que o Rio Grande do Sul enfrenta, a Defesa Civil afirma que quase 1 milhão de pessoas foram atingidas pelas enchentes, o triplo do número levantado pelo governo federal.

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Em outro relatório, este publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, fica clara a projeção de aumento de episódios de precipitação intensa para a região sudeste da América do Sul, que compreende justamente o estado do Rio Grande do Sul. 

“Não há dúvida de que esse aumento de enchentes, essas chuvas muito torrenciais, são associadas com as mudanças climáticas e a aceleração dessas mudanças no nosso planeta”, afirma o cientista Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP).  

Um morador carrega um cachorro nas enchentes após fortes chuvas em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, na segunda-feira, 6 de maio de 2024
Um morador carrega um cachorro nas enchentes após fortes chuvas em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, na segunda-feira, 6 de maio de 2024 (Getty/Getty Images)

Para piorar, o Rio Grande do Sul também se encontra numa faixa que costuma ser duramente atingida pelo El Niño e pela La Niña.

Os dois fenômenos são naturais. O El Niño, que está em atividade no momento, consiste no aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico próximo à costa do Peru. Ele costuma desencadear chuvas torrenciais sobre o Sul e o Sudeste brasileiros.

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Já a La Niña, que deve ter início até o fim do ano, acontece quando há o resfriamento das águas do Pacífico e provoca estiagem no Sul e maior incidência de geadas.

Temperatura média do globo bate recorde

De acordo com o Relatório do Estado do Clima Global, publicado em março pela Organização Meteorológica Mundial (WMO), a temperatura média global em 2023 ficou 1,45 graus mais quente, comparada aos níveis pré-industriais.

É muito próximo do limite de 1,5 grau estabelecido pelo Acordo de Paris e considerado um limite seguro para evitar um colapso do clima global.

No ano passado, o planeta quebrou todos os recordes dos indicadores climáticos, com oceanos e atmosfera superaquecidos.

Esse calor excessivo, como se sabe, fornece energia para a formação de tempestades, como a que se vê no Sul, e a multiplicação de tormentas mundo afora, incluindo os furacões do Oceano Atlântico.

E o caos climático se alastra pelo Brasil

Em outro sinal inequívoco de que o Brasil entrou na era de extremos do clima, em 2023 o Cemaden registrou 1.161 eventos climáticos nos 1.038 municípios que estão sob seu monitoramento, um recorde jamais visto. 

Desses, 716 foram ocorrências hidrológicas, como transbordamento de rios, e outras 445 foram geológicas, como deslizamentos de terra

O Cemaden também mantém um ranking anual de cidades com mais registros de eventos extremos.

No ano passado, essa lista foi liderada por Manaus (AM), com 23 eventos climáticos graves, seguido por São Paulo (SP), com 22, e Petrópolis (RJ), com 18. Veja abaixo a lista das dez cidades com mais eventos extremos no ano passado:

1- Manaus (AM) – 23

2- São Paulo (SP) – 22

3- Petrópolis (RJ) – 18

4- Brusque (SC) – 14

5- Barra Mansa (RJ) – 14

6- Salvador (BA) – 11

7- Curitiba (PR) – 10

8- Itaquaquecetuba (SP) – 10

9- Ubatuba (SP) – 9

10- Xanxerê (SC) – 9

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Porto Alegre tomada pelas águas: 1 milhão de gaúchos enfrentam catástrofe do clima (Getty/Getty Images)
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