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Prefeitura de Ilhabela manobra para explorar área preservada

Depois de desapropriar área de preservação ambiental, governo municipal especula abertura de resort no local.

Por Valéria França Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2024, 13h31 - Publicado em 4 abr 2024, 17h11

Um dos destinos mais charmosos do litoral norte paulista, Ilhabela é conhecida internacionalmente pelo agitado calendário de regatas. Também encanta pelas construções históricas da vila central e pela beleza natural, rara no litoral paulista: a ilha abriga uma das maiores áreas contínuas de Mata Atlântica do país, com cachoeiras e praias -85% do território é área de preservação. Encravada justamente no lado mais intocado da região, pouco visitado pelos turistas, a Praia da Serraria, entrou na mira da exploração imobiliária. Ali, recentemente, a prefeitura desapropriou quase 900 mil metros quadrados, pertencentes a uma família. A propriedade começa na região costeira – que tem limites construtivos fixados entre de 20% a 10% – e acaba dentro do Parque Estadual de Ilhabela. Mesmo sendo uma área privada, ali vivem 60 famílias caiçaras – cerca de 70 pessoas -, há mais e três gerações.  A prefeitura desapropriou o terreno,  pelo Decreto 10.202/2023, com a justificativa de transformá-lo em “área de compensação ambiental”.

Ao  que parece, na verdade, o prefeito da região Antônio Collucci (PL), enxergou nas terras um bom negócio, uma vez que o dono tinha dívidas de impostos, o que possibilitou que o município pagasse apenas R$ 7 milhões de indenização por elas. Pouco depois, revelou  outro destino para a propriedade: a construção de um resort em Serraria.

Nesse momento começou a confusão. O caso foi parar no Ministério Público, que pediu esclarecimentos, entre eles, se a comunidade caiçara local foi comunicada com antecedência sobre  a desapropriação e o anúncio de empreendimento hoteleiro. “Fiquei sabendo pelas redes sociais que as terras, onde temos nossas casas, viraram públicas”, diz Vanildo dos Santos, de 44 anos, uma das lideranças da comunidade caiçara da Serraria. “Só depois que o prefeito veio dar explicações e, então, soubemos que qualquer construção de casa, agora, precisa de autorização.” Pai de três filhos, Santos está acostumada à vida simples, sem violência, que o pequeno paraíso da Serraria proporciona. “Meus filhos cresceram livres, com o pé na areia”, conta ele, que teme pela construção de um resort. “Os pescadores espalham barcos e redes na praia. Seremos expulsos”.

A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais, que o Brasil é signatário, determina obrigatória a consulta prévia das comunidades sempre que alguma ação possa afetá-las. É uma forma do tratado conferir poder de influência nas tomadas de decisão a essas pessoas menos privilegiadas.  Mesmo quem não está ao par da convenção reconhece na prática os direitos dos caiçaras da Serraria:“Essa população tem os mesmos direitos que os indígenas, pois são considerados povos originários”, diz Gilda Nunes, diretora do Ilhabela Sustentável.

Há dois anos, Collucci decretou, por exemplo, a extinção da reserva extrativista da Praia de Castelhanos, região quase vizinha à Serraria, com 95,7 hectares, a maior parte em área marinha. Conhecida pelo formato de coração da orla, Castelhanos virou uma reserva extrativista em 2020, por decisão da então prefeita Maria das Graças dos Santos (PSD). Assim passou a ser unidade de conservação sustentável de uso da comunidade caiçara e exploração do turismo ecológico.

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Dois anos depois, o atual prefeito extinguiu a reserva em um estalar de dedos. Collucci apresentou o projeto, votou e protocolou o decreto no mesmo dia. A manobra repercutiu mal e foi investigada pelo Ministério Público. Em 2023, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo declarou o decreto inconstitucional.

Em 2016, Collucci também foi alvo da Justiça, quando resolveu construir um mirante no Morro da Cruz, de frente para o canal de São Sebastião. Para levantar a estrutura principal contratou o arquiteto Ruy Ohtake, sem licitação. A obra teria capacidade para receber mil turistas. O projeto gerou uma ação civil do Ministério Público contra Ilhabela e a empesa de Ruy de Ohtake. Resultado: a construção foi suspensa naquele ano por determinação da Justiça. Collucci é conhecido por ter apreço às obras grandiosas. Ilhabela é um município com pouco mais de 35 mil habitantes, mas com uma receita que pulou de R$ 300 milhões para R$ 1 bilhão, desde que passou a receber os royalties do petróleo – compensação financeira devida à União, Estados e Municípios pelas empresas que produzem petróleo. “Essas obras geram empregos, que atraem trabalhadores de outros estados”, diz Gilda. Também engordam o curral eleitoral de Collucci, que já está no terceiro mandato.

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