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Regiões prioritárias para conservar a Amazônia são as menos financiadas, mostra pesquisa

Análise de 261 unidades de conservação revela que áreas com mais espécies ameaçadas e maior pressão de desmatamento operam com gestão precária e poucos recursos

Por Letícia Lopes Dias*, para The Conversation
3 jul 2025, 17h30


Cientistas costumam comparar a perda da floresta amazônica a uma biblioteca em chamas, na qual livros ainda não lidos desaparecem antes de podermos conhecê-los. Nesse cenário, as espécies ameaçadas seriam os livros mais próximos do fogo, prestes a virar cinzas.

Criar áreas protegidas é uma das formas mais comuns de tentar salvá-las. Mas mesmo esses refúgios naturais podem desaparecer, se não forem fortalecidos com uma gestão adequada.

É essa a mensagem central do novo estudo publicado na revista Biological Conservation, conduzido por pesquisadores do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Universidade Federal de Goiás (UFG). A pesquisa analisou 261 unidades de conservação da Amazônia e revelou um paradoxo preocupante: as áreas mais importantes para a biodiversidade são justamente as que recebem menos investimento em gestão.

Foram identificadas 65 unidades de altíssima prioridade para a conservação da Amazônia, territórios que combinam alta diversidade de espécies ameaçadas e grande pressão por desmatamento e degradação. Preocupantemente, 50 dessas áreas têm uma gestão considerada fraca ou apenas regular.

Apenas oito unidades prioritárias apresentaram uma ótima gestão, como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e a Reserva Biológica do Gurupi. Enquanto isso, unidades como a APA Triunfo do Xingu e a APA Baixada Maranhense estão em situação crítica: são prioridades máximas para a biodiversidade, mas operam com gestão precária.

Para definir a importância de cada área, consideramos a presença de espécies ameaçadas de aves e mamíferos, espécies utilizadas por povos e comunidades tradicionais (como a castanha-do-brasil e o tracajá, uma espécie de cágado, ambos parte da dieta de comunidades ribeirinhas e indígenas) e os principais vetores de ameaça, como desmatamento, fogo e extração madeireira.

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As áreas mais prioritárias, portanto, são aquelas com maior diversidade biológica e maior pressão humana. São os “livros” mais próximos de queimar da nossa biblioteca.

Sem estrutura e investimento

Para evitar esse desfecho, é fundamental que as áreas protegidas tenham equipes técnicas preparadas e orçamento suficiente para executar ações estratégicas. Isso inclui desde a elaboração de planos de manejo até o monitoramento da biodiversidade.

Nesse contexto, o papel do poder público é central, especialmente no caso das unidades estaduais, que são as mais vulneráveis. Mas parcerias e programas complementares também fazem a diferença.

Um exemplo é o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que há mais de 20 anos apoia a implementação de unidades de conservação na região. O programa atua na formação de conselhos gestores que envolvem a comunidade local na tomada de decisões sobre as unidades, fortalecimento da proteção e monitoramento ambiental. Entre as 261 áreas analisadas no estudo, as 117 com apoio do ARPA apresentaram os melhores níveis de gestão.

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A já citada Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, é um bom exemplo de gestão bem-sucedida. Lá, as comunidades apoiam a vigilância do território, definem regras de uso dos recursos e fazem o monitoramento da pesca.

Esse modelo garante o uso sustentável e gera resultados concretos: a recuperação das populações de peixes e o aumento da renda das famílias. A experiência de Mamirauá, apoiada pelo ARPA, mostra que, quando há investimento na governança local e participação comunitária, as áreas protegidas se tornam mais eficazes.

Por outro lado, as unidades localizadas em regiões com alto desmatamento ao redor tendem a ter uma gestão mais frágil, o que é ainda mais preocupante quando essas áreas coincidem com os territórios de ocorrências das espécies ameaçadas e de uso pelas comunidades. A APA Triunfo do Xingu, nesse grupo, segue em cenário de risco, liderando a lista das unidades que perderam mais floresta em 2024.

Sem estrutura e investimento, torna-se improvável que essas áreas cumpram sua missão de conter a perda de biodiversidade.

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Estratégias de priorização

Para enfrentar esse cenário, o artigo propõe uma estratégia de priorização para direcionar os investimentos de forma mais eficaz. Isso é essencial para o Brasil cumprir metas globais, como a de proteger 30% do território até 2030, no âmbito do Marco Global de Kunming-Montreal da Convenção de Diversidade Biológica.

No artigo, defendemos um direcionamento prioritário de recursos para aprimorar a gestão das 65 áreas com alto valor ecológico, especialmente aquelas com maiores deficiências. Isso é essencial para honrar o compromisso brasileiro de evitar a extinção de espécies.

Segundo estimativas recentes, o custo anual mínimo para conservar 80% da Amazônia varia entre US$ 1,7 e 2,8 bilhões. Mas os recursos disponíveis estão muito aquém disso. Apenas para gerir as unidades de conservação federais, o custo projetado é de US$ 341 milhões por ano e, em 2016, o gasto efetivo foi apenas 11% desse valor.

Isso evidencia a urgência de ampliar e racionalizar os investimentos, complementando os esforços públicos com mecanismos como o próprio ARPA, que se destaca pela transparência e eficiência.

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Além do financiamento, conservar a Amazônia também depende de outras frentes: fortalecimento da fiscalização, combate a atividades ilegais e promoção de modelos sustentáveis de uso da terra.

As áreas protegidas já mostraram ser eficazes: estima-se que tenham evitado 60% do desmatamento previsto. Mas, enquanto o grande incêndio – a crise ambiental e climática – ainda arde, é essencial garantir que essas áreas continuem sendo nossas melhores barreiras contra a devastação.

A escala do desafio exige respostas rápidas, bem planejadas e fundamentadas tanto na ciência quanto na justiça social. Proteger os “livros” mais valiosos da floresta é, também, proteger o futuro comum da Amazônia e do planeta.

*Letícia Lopes Dias, Analista de Dados, Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)

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