Um solo mais fértil: como o agronegócio pode virar aliado no combate à crise climática
No Cerrado, práticas regeneram as lavouras e reduzem as emissões
Em Campo Verde, a paisagem branca da fazenda Fartura, do Grupo Bom Futuro, se destaca como um imenso laboratório a céu aberto. No horizonte, colheitadeiras avançam em linhas milimetricamente calculadas. Perto da sede, tanques metálicos abrigam bioinsumos em processo de fermentação. A cada safra de algodão, milhões de microrganismos cultivados ali são devolvidos ao solo, recuperando áreas desgastadas por anos de uso intensivo e reduzindo a dependência de químicos tradicionais. Entre os corredores de plantio, técnicos registram dados, avaliam a cobertura vegetal e projetam a pegada de carbono de cada tonelada colhida. Nada parece escapar ao controle, da análise da microbiota do solo às imagens de satélite que monitoram talhões inteiros: o Bom Futuro busca conciliar escala e precisão científica. O que se experimenta nesse pedaço do Cerrado no interior do Mato Grosso vai além da produtividade. É um ensaio sobre como o agronegócio brasileiro pode alinhar tecnologia, rastreabilidade e respeito ambiental, desafiando décadas de degradação.
A lógica que orienta essas experiências é a da agricultura regenerativa, um conjunto de práticas que busca devolver ao solo mais do que dele se retira. No plantio do algodão, isso significa alternar o cultivo com gramíneas e leguminosas, manter cobertura vegetal mesmo fora da safra e reduzir ao mínimo o revolvimento da terra. O resultado é um solo mais vivo, capaz de reter água, armazenar carbono e sustentar produtividades altas sem depender de defensivos. Para além da técnica, é também uma resposta às exigências do mercado internacional, que pressiona por fibras e grãos de baixo impacto ambiental e rastreáveis desde a origem. “Nosso desafio é mostrar que é possível produzir em larga escala e, ao mesmo tempo, respeitar os limites do solo”, afirma Nahzir Okde, gerente de parcerias do Grupo Bom Futuro.
A reportagem visitou o local como parte da Expedição VEJA, que está rodando o Brasil para conhecer projetos inovadores de sustentabilidade e destacar temas relacionados à agenda da COP30, a Conferência do Clima da ONU que acontecerá em novembro em Belém, no Pará.
Um dos alicerces desse processo são os programas PRO Carbono e PRO Carbono Commodities, da Bayer. O primeiro oferece suporte técnico e ferramentas digitais para mensurar a saúde do solo, o armazenamento de carbono e a redução de emissões. O segundo implementa um sistema de rastreabilidade que acompanha os grãos do campo ao mercado internacional, garantindo origem livre de desmatamento e pegada de carbono mensurada.
Dez grandes produtores participam do programa, somando cerca de 160 000 hectares. A lógica combina tecnologia e manejo sustentável: rotação de culturas, cobertura vegetal durante todo o ano, manejo reduzido do solo, uso de bioinsumos e monitoramento digital da lavoura. Para grandes grupos do setor, aderir aos programas significa não apenas acesso a dados e tecnologia de ponta, mas também a oportunidade de inserir sua produção em cadeias globais cada vez mais exigentes em critérios socioambientais. “Os resultados são concretos. A soja produzida sob essas técnicas teve redução de cerca de 70% na pegada de carbono em comparação com a média nacional. Isso mostra que é possível unir produtividade e sustentabilidade de forma mensurável”, afirma Marina Menin, diretora do negócio de carbono da Bayer para a América Latina.
A mudança de consciência ocorre em boa hora. Mato Grosso, potência global em grãos e fibras, está entre os estados mais expostos aos efeitos da emergência climática. Em 2024, enfrentou a pior seca em 25 anos, que atrasou o plantio e comprometeu a safra seguinte. O Monitor de Secas apontou 98% do território sob algum grau de estiagem, enquanto incêndios florestais e ondas de calor extremos se tornaram cada vez mais frequentes. “Essas condições reforçam a necessidade de repensar a agricultura: precisamos produzir, mas com o solo vivo e resiliente, para que o campo continue gerando alimento em meio a crises cada vez mais intensas”, diz Antônio Trento Scheffer, diretor do Grupo Bom Futuro. Nesse contexto, práticas regenerativas deixam de ser apenas inovação tecnológica e passam a representar um caminho de sobrevivência, conciliando produção e conservação em um dos epicentros globais da agricultura sob pressão climática.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967








