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A Origem dos Bytes

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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.

Funciona denunciar irregularidades no site? E mais questões pro Facebook

Compartilho algumas perguntas simples que poderiam ter sido feitas pelos senadores dos EUA a Mark Zuckerberg – em vez do desfile de ignorâncias que se deu

Por Filipe Vilicic 11 abr 2018, 18h55

Ontem (10/04), Mark Zuckerberg chegou visualmente nervoso para depor diante do Congresso americano. Sua face pálida expressava uma careta típica dos adolescentes que sabem que fizeram besteira, mas têm de manter a compostura diante dos adultos. Ou, melhor, algo mais na linha “Caraca, em 2004 resolvi criar um sistema para comparar as meninas na minha faculdade e, de repente, isso virou ferramenta para russos espionarem o mundo e influenciarem na eleição de um ser odiado por muitos à presidência dos EUA”. No fim do dia, porém, Zuck saiu aliviado, quase saltitante.

Assim como um hacker de 17 anos diante de uns senhores de 80 que perguntam diariamente aos netos “Como faço para destravar esse iPhone mesmo?”; ou “Ixi, deu algum problema no meu computador. Será que foi por ter clicado num link de uma promoção que prometia 1 milhão de dólares aos felizardos sorteados no Facebook?”, Zuck deu risadas irônicas, caçoou, levou o treco para a direção que quis e, ainda, cumpriu com o que foi de fato fazer em Washington – elevar as ações da bolsa (ganho de 27 bilhões de dólares em um dia), fortificar sua empresa e continuar com o negócio sem muito mexer nele. O todo-poderoso do Facebook se safou simplesmente porque seus interrogadores não tinham a menor ideia do que eles próprios estavam fazendo lá.

Num momento, por exemplo, um senador atingiu o ápice da ignorância sobre o assunto ao questionar: “Como você sustenta seu modelo de negócios se não cobra dos usuários pelo seu serviço?”. Ao que Zuck deu uma risadinha, provavelmente achando que se tratava de uma piadinha. Mas não era. E ele respondeu: “Nós temos anúncios.” A bizarrice é ainda maior quando se nota que o que fora discutido no Congresso entre ontem e hoje foi justamente acerca do modelo de negócios do Facebook.

O estardalhaço das últimas semanas se deu por uma consultoria política ter coletado dados de usuários do Facebook para orientar a campanha de Donald Trump em 2016 e, ainda, influenciar a decisão pelo Brexit na Inglaterra; e por como russos têm utilizado a plataforma para diversos tipos de atividades duvidosas, usualmente ligadas a espionagem (e a Rússia é historicamente eficiente nisso). No entanto, o foco nem deveria ser bem esse.

É erradíssimo afirmar que houve vazamento de dados de usuários – como é reproduzido por aí – nesses casos. Não houve. Todos os escândalos se trataram de efeitos diretos de como funciona o modelo de negócios da rede social. Estão ligados à resposta de Zuck ao senador perdidinho: “Nós temos anúncios”.

Já lembrei neste espaço que quando um produto digital é fornecido de graça aos usuários é porque, na real, o usuário que é o produto. Como as pessoas não topariam pagar – e isso já foi testado empiricamente – para ter acesso a uma rede social, então elas se tornaram os produtos das redes sociais. Isso é explícito, de maneira honesta, nos termos de serviço – que quase ninguém lê – desses sites.

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Ou seja, o trabalho do Facebook, desde que começou a ter lucro (40 bilhões de dólares no ano passado), é justamente pegar os dados das pessoas nele cadastradas. Depois, vendem-se essas informações a quem pagar bem o suficiente. O material, como explícito nos termos de serviço, pode servir de base para anúncios. Só que também para pesquisas acadêmicas e para consultorias – inclusive, as políticas. Na prática, nada, NADA, impedia isso.

Em outras palavras, é uma palhaçada quando o Facebook se posiciona como vítima da Cambridge Analytica. Isso porque a companhia forneceu (repito: não houve vazamento) os dados dos usuários a ela, mesmo que indiretamente. E é no mínimo cômico quando Zuck finge cara de espanto quando recapitula como os 2 bilhões de perfis da rede social serviram a espiões e políticos. O Facebook sempre soube que isso poderia ocorrer. Duvida?

A verdade é que táticas facebookianas similares de guerrilha eleitoral foram utilizadas por Barack Obama em 2012 (à época, seus marqueteiros eram chamados de gênios por isso), por Hilary Clinton em 2016, e o mesmo tentaram candidatos brasileiros nas últimas eleições presidenciais – e aqui me refiro, principalmente, aos dois que chegaram às finais do pleito. Em relação à espionagem, o buraco é ainda mais embaixo.

Havia um ex-funcionário do Facebook no trabalho relacionado à Cambridge Analytica. Dentro da companhia, sabia-se que uma penca de empresas russas duvidosas estavam injetando dinheiro na plataforma bem na época das eleições dos EUA. Tudo era muito evidente e nada era feito por um motivo simples: o Facebook acreditava que essa era a regra do jogo, que os jogadores sabiam disso (mas não sabiam, por como foi demonstrado pelos hábeis senadores americanos) e que a plataforma não tinha tanta relevância assim para influir em “coisas sérias”. Bem, todas essas constatações se provaram falhas.

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Então, o que deveria responder Zuck no Congresso?

É preciso confessar que tinha um ou outro senador, ou, no testemunho de hoje (11), um ou outro deputado um pouco mais informado. Como os que questionaram o bilionário do monopólio do Facebook em seu mercado, indicando que isso deveria ser combatido, fatiando a companhia. Ou um que sugeriu que outros magnatas da indústria digital, a exemplo de representantes de Amazon e Google, deveriam estar lá para responder a perguntas similares. Porém, Zuck, malandro, sabia driblar os tópicos que poderiam minimamente lhe dar dor de cabeça, até conseguir voltar à maioria das questões sem pé nem cabeça da (grande) maioria da turba política.

Logo, o que deveria ter sido questionado? Alguns exemplos:
— Se o Facebook sempre forneceu dados de usuários a terceiros, por que isso está sendo colocado em xeque agora? Será que foi apenas por isso ter sido utilizado para eleger um presidente odioso e muito odiado como Trump? Ocorreria o mesmo se a vitória tivesse sido de Hillary Clinton?

— Quando os usuários jogam pelas regras do Facebook, denunciando irregularidades, a autorregulação que sempre fora proposta pelo senhor acaba por funcionar? Aqui, uma pausa. A resposta de Zuck seria na linha: “Claro”. A verdade: “Não, não funciona.”

Sou exemplo disso. Sempre tentei ser um usuário mais consciente de suas responsabilidades. Denunciei perfis falsos (em teoria, proibidos pelas regras do Facebook), e nada foi feito. O último fake que revelei ao Facebook, pela ferramenta usual de denúncia, se tratava de um perfil que não apresentava um sobrenome, não tinha amigos na lista, não postava na timeline, possuía uma imagem do desenho de um ET como foto principal e espalhava posts de discurso de ódio na internet. Falso, claramente. Mas o Facebook me respondeu que não havia evidências de que seria assim. Nada feria suas regras, era a desculpa. O problema: é justamente esse tipo de fake (quando não, bot) que depois é utilizado por políticos para espalhar notícias igualmente falsas, dentre outros absurdos, pela rede. E, sim, tudo isso fere os termos estipulados pelo próprio Facebook.

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E essa foi a única vez que o Facebook ao menos deu um retorno. Noutra situação, ajudei um colega a denunciar fakes que o perseguiam, disseminando claras mentiras sobre esse mesmo colega. Nem uma resposta foi dada pelo site. Em outra vez, uma amiga pediu ao Facebook para remover um perfil que dizia ser dela, mas não era. Ou seja, alguém se passava por ela no site. A empresa alegou que não tinha provas de que aquele perfil não era mesmo da denunciante. Pois é. Enfim, poderia tecer aqui uma lista enorme de não-ações do site de Zuck.

— Quando o senhor, Zuckerberg, fala que se apoia em inteligência artificial (IA) e algoritmos para monitorar a rede, recorre a esses elementos como se fossem varinhas mágicas do Harry Potter. Então, explique: quais são os principais critérios da IA do Facebook para separar o joio do trigo. Esqueça termos técnicos. É preciso ser direto, dizendo algo como “a IA detecta, pela análise de mensagens particulares ou posts do tipo X, quando fulano tá meio depressivo e pode precisar de ajuda antes de fazer uma live cometendo suicídio”; ou “características do perfil como X e Y são levadas em conta pelo robô para determinar quem pode ser um potencial terrorista”. Em suma, cadê seu guia de orientações éticas que serve de direcionamento para os desenvolvedores que criam a IA mágica que adora exibir por aí como se fosse um transformer potentíssimo?

— Ter uma IA que deduz quais podem ser as futuras atitudes das pessoas é uma estratégia ética? Isso não lhe parece abrir portas para preconceitos e estereótipos? Culminando em algo na linha: “se fulano se comporta assim é porque em breve deve cometer um crime.”

— Se o senhor resguarda mesmo a privacidade de seus usuários, por que o padrão do Facebook é que os posts sejam públicos e é preciso tomar uma atitude (por vezes, não tão simples quanto um clique) para que eles se tornem acessíveis tão-somente a amigos? Não deveria ser o contrário?

São muitas as perguntas que prensariam Zuck na parede. Mas elas não foram realizadas. Em vez disso, os congressistas preferiram gastar tempo em horas e horas de puro blá blá blá. Teve um, o republicano Roy Blunt, que teve a pachorra de contar uma história de como seu neto de 13 anos agora só usa o Instagram e que o mesmo não o perdoaria caso seu nome não fosse citado em cadeia nacional diante da celebridade Mark Zuckerberg.

Assistir às cerca de dez horas dos dois depoimentos de Zuck ao menos serviu para uma coisa: sacar como não só os senadores brasileiros são, em sua maioria, uns dinossauros desinformados (ainda mais acerca de termos tecnológicos); lá na gringa, é igual.

E não só isso é igual. Como bem apontou o site The Verge, vale constatar que uma parte dos políticos presentes na entrevista pública de Zuck tiveram campanhas parcialmente bancadas pelos cofres do… Facebook. Será que o cenário seria diferente no Brasil caso, numa situação hipotética, algum bilionário nacional, talvez dono de alguma construtora, fosse chamado para testemunhar em Brasília?

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