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A Origem dos Bytes

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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.

Instagram vicia menos que maconha? Quanta bobagem dita do fim dos likes!

O problema não é criticar, mas faltar base para tal. Saiba ainda de alguns pontos realmente preocupantes da mudança do app

Por Filipe Vilicic Atualizado em 20 jul 2019, 07h00 - Publicado em 20 jul 2019, 07h00

Muita gente tem passado ridículo com críticas das mais boçais ao fim dos likes no Instagram (antecipado em notícia publicada neste blog). São comentários que saem da boca (ou dos dedos digitando no Twitter) daqueles que justamente colaboram para tornar a internet um ambiente tóxico, ou ainda de uns que nada entendem do mundo da tecnologia.

Repito aqui o rosnado da “classuda” (aviso de ironia) deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) no Twitter: “E o Instagram sumiu mesmo com o número de likes. Tudo para a gorda feminista peluda do cabelo roxo não ficar deprimida ao ver o desempenho da coleguinha na rede”.

Precisa explicar a ignorância de Zambelli? Talvez sim. Nem vamos nos ater ao preconceito, à simples ojeriza ao que for distinto dos padrões mentais da deputada. Falemos aqui da própria dinâmica de funcionamento do Instagram e de outras redes sociais.

Já em 2013 um estudo revelou que o sentimento de inveja é realmente o mais preocupante nas redes. Detalhes nesta reportagem de VEJA assinada por este que vos escreve. Já naquela época, uma em cada cinco pessoas indicava o Facebook como principal fonte de inveja no dia a dia. Passados seis anos, certamente essa proporção se multiplicou.

A pesquisa apontava então que os invejosos se mordiam ao observar amigos em viagens e momentos de lazer, a fama dos outros, a felicidade alheia e etc. No entanto, quem será que mais inveja os outros nas redes sociais? São justamente aqueles que mais utilizam essas plataformas, sejam blogueiros, youtubers, adolescentes que não saem do celular ou deputadas federais eleitas justamente por se comportarem como pit bulls da internet. Será, portanto, que Zambelli, seguindo uma lógica clássica da psicanálise, não estava falando da inveja dela mesma para com os likes dos outros ao gritar por aí contra o fim das curtidas? Está aí uma pergunta que fica.

Vale também desconstruir a reclamação de Carlos Bolsonaro, o 02 do presidente, no Twitter: “As justificativas usadas para não mostrar as curtidas no Instagram, como combate ao bullying e suas derivações são apenas a certeza de que seguem a cartilha ideológica “progressista”. Querem limitar o interesse da informação e criar manipulados como em todos os campos já sabidos”.

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O fim dos likes pode, sim, servir de combate ao bullying virtual. Afinal, agressores, como valentões adolescentes que gostam de zoar colegas de tendências à bibliofilia, só continuam com gritos e tapas, digitalizados ou não, quando há uma plateia para aplaudi-los. Nisso, ainda falta compreender o motivo de 02 ser contra o fim do bullying. Seria ele próprio um dos valentões com ódio à bibliofilia?

Já em relação a “limitar o interesse da informação e criar manipulados”. Trata-se do contrário. Guiar-se por likes e seguidores (muitas vezes comprados naqueles serviços toscos de “pague X para ganhar milhares de curtidas”) é um dos fatores que levam às bolhas digitais e ao vício no viés da confirmação.

A quem nada entendeu da frase anterior, simplifico. Achar que uma informação é mais sólida só por ter mais curtidas é o mesmo que acreditar numa fofoca apenas por ela ser divertida e disseminada (como funciona com as fofocas). Aí quando a pessoa dá o like naquela mentira saborosa cheia de likes o que acontece? O algoritmo da rede passa a entender que o indivíduo quer ver mais daquilo, as fofocas, as opiniões radicais, as falácias. Nisso, forma-se uma bolha de informações enviesadas ao redor dele. E é nisso que se passa a ver em Facebook, Instagram, Twitter apenas opiniões similares às próprias e, mais que isso, apenas posts dos mais escandalosos e sensacionalistas – pois estes, como as fofocas, são os que mais repercutem e ganham likes.

O fim dos likes quer, sim, furar toda essa bolha. No entanto, a tática terá efeito contrário ao anunciado pelo 02. Com isso, busca-se privilegiar a diversidade de informação, a veracidade de notícias, e, assim, combater a manipulação online.

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Aí vieram aqueles que berraram: “Dizer que redes sociais são viciantes é uma bobagem! Vício é maconha”. Não por acaso, ouvi tal asneira da mesma pessoa que achou que o Instagram foi criado por dois americanos nerds e que um deles se chamava Mark – na verdade, um dos fundadores é brasileiro, e chama Michel “Mike” Krieger; Mark é o nome do CEO do Facebook; e nenhum deles tem perfil “nerd”, muito pelo contrário.

Bem, a esses que não acreditam que as novas mídias viciam indico, antes de tudo, a leitura de outra reportagem em VEJA, de título Viciados em Telas. E aos que não apuraram antes de escrever sobre o Instagram, aí sugiro meu próprio livro, que faz uma radiografia da história do Instagram.

A quem não quiser ler, resumo: estudos comprovaram que o vício em smartphones, e redes sociais, causa alterações similares ao em drogas pesadas, como cocaína. No caso da internet, os viciados têm maior tendência a insônia, depressão, ansiedade, isolamento, até mesmo suicídio. Em outra reportagem, esta de capa em VEJA, ainda foram compilados estudos científicos que comprovam que a dependência (química) nessas novas tecnologias leva à mais pura ignorância, a problemas cognitivos sérios, a consequências negativas até no casamento – para os casados.

E sobre a maconha? Sim, essa droga também vicia – ao que estudos indicam, em menor grau do que redes sociais. E causa problemas cognitivos (como falhas temporárias de memória recente) e respiratórios. Só que tudo em menor dimensão do que a internet. Para saber mais do assunto, vale sair do Facebook e ler livros, estudos etc. Ou, caso queira algo de mais fácil consumo, assista ao documentário “Baseado em Fatos Raciais”, da Netflix.

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Quem insiste em afirmar que redes sociais são menos viciantes e danosas do que maconha ainda devem viver lá pela década de 1970. Ou seja, quando saíam estudos manipulados – algumas das tantas evidências estão no documentário já citado – para tentar exagerar os malefícios da erva, com o único intuito de servir de desculpa para criminalizar ativistas negros e latinos nos EUA. Não por acaso, é comum que brancos (ainda mais os racistas) sejam os que mais odeiam a ideia da legalização da maconha.

Quer dizer então que é tudo divino e maravilhoso em torno dos fins dos likes? Nada disso. Só é preciso se informar (apurar, seguindo jargões de minha profissão) para criticar. Já indico um (de tantos) livro para tal: “Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other” (a obra não foi traduzida para o portugês). Não conhece? Dê um Google.

De qualquer maneira, falemos das críticas com bases sólidas. O fim das curtidas procura diminuir o vício, o tempo de uso, de pessoas no Instagram. Isso corresponde a uma meta em médio prazo do Instagram.

Para os dependentes não acabarem trocando o Instagram por outra rede social que venha a virar moda, tenta-se tornar o ambiente do app menos tóxico e viciante. Assim, em vez de ter viciados que pulam sempre para a próxima droga mais pesada, incentiva-se que as pessoas continuem a usar o Instagram para sempre – no entanto, em pequenas doses.

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Por um lado, isso é ótimo, sim. Contudo, também ajuda a fortificar o monopólio de Facebook e Instagram no mercado das redes sociais ao dar menor brecha para que usuários pulem para outros sites e apps.

Indo além – e como já tratado neste blog –, o Instagram também elimina os likes para diminuir o poder de influenciadores digitais de menor calibre. Assim como de políticos que tendem mais a extremismo e a babas de raivas.

Ao fazer isso, entretanto, o Instagram quer que: 1º Anunciantes não procurem mais os influenciadores para patrociná-los. Assim, sobra mais dinheiro para publicidade feita no próprio Instagram; 2º Tirar o poder de curtidas e de número de seguidores desses mesmos influenciadores – assim como a capacidade dos mesmos de se comparar com outros colegas no aplicativo. Assim, aumenta o controle do próprio Instagram sobre esse tipo de informação; 3º Diminuir o alcance de posts dos mais enervados, como os que espalham fofocas, inverdades etc.

Em todos esses aspectos, o Instagram ganha. Primeiro, aumentando seu monopólio no mercado que ele e Facebook (o dono do Instagram, vale informar aos desinformados) são reis. O que é prejudicial ao próprio mercado. Segundo, ao ter maior controle da informação que circula pela rede.

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São táticas inteligentes. Contudo, ao que tudo indica, vale a pena apoiar o fim dos likes. Afinal, melhor ter adolescentes com cabeças mais livres e menos viciados, do que continuar a apostar em uma cultura digital que leva à depressão, à angústia, à inveja, até ao suicídio.

Em relação à estratégia para proteger seu próprio monopólio, só há uma observação a ser feita sobre tal manobra do Instagram: assim funcionam as empresas privadas. E para quebrar o monopólio a melhor aposta seria no surgimento de algum empreendedor que bolasse uma ideia mais bacana que o Instagram, para competir com ele.

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***

Em tempo: este texto não tem a missão de mudar a ideia de quem vocifera por aí sem se informar. Provocá-los já basta. Afinal, dificilmente a internet deixará de ser feita também de afeitos ao obscurantismo.

Para acompanhar este blog, siga no Twitter, em @FilipeVilicicno Facebook e no Instagram.

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