A estabilidade das pesquisas de intenção de voto contrasta com o calor do debate pré-eleitoral, a um ano do encontro com a urna. Uma hipótese é o eleitor não prestar ainda tanta atenção à refrega política. Costuma ser o cenário quando falta muito para as eleições. É habitual os políticos e o jornalismo conectarem-se bem antes do cidadão e da cidadã comuns, mais envolvidos com a luta diária pela sobrevivência.
Há, entretanto, um detalhe incomum nos levantamentos sobre a corrida ao Palácio do Planalto. Mesmo faltando doze meses para a eleição, por volta de dois terços do eleitorado já escolhem na espontânea um candidato. Cerca de 35% para Luiz Inácio Lula da Silva, 25% para Jair Messias Bolsonaro, mais um tantinho para os demais. Ou seja: a campanha para presidente da República já começou, está nas ruas, nem que sejam as ruas virtuais.
Isso provavelmente vem sendo catalisado pela epidemia de Covid-19 ou, mais precisamente, pela luta política em torno dela. E pelas circunstâncias econômicas agudas, como a inflação, ou crônicas, como as resilientes taxas de desemprego. Em época de dificuldades e desafios além do normal, é natural o eleitor começar bem antes a prestar atenção nos personagens e nas propostas que se apresentam para resolver os problemas.
“É possível que a busca de renovação e do ‘diferente de tudo que está aí’ venha cedendo espaço à procura por gente capaz de mostrar serviço diante dos desafios”
E talvez as circunstâncias e dificuldades estejam a reduzir a demanda pelo objeto de desejo do eleitor em 2018: a chamada nova política. É possível que a busca de renovação e do “diferente de tudo que está aí” venha cedendo espaço à procura por gente capaz de mostrar serviço diante dos desafios e adotar medidas que impactem direta e positivamente a vida do povão.
Daí a estabilidade de Lula em seus bons patamares. Seria ingênuo imaginar que a grande massa do eleitorado tenha assimilado a inversão dos papéis de bandido e mocinho entre o ex-presidente e o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro. Mais provável é que o passivo do petista tenha perdido importância diante das urgências materiais. E aí cresce o valor do principal ativo de Lula: a percepção popular dos resultados do governo dele.
É inteligente, portanto, que no pós-7 de Setembro Bolsonaro esteja (quanto tempo durará?) concentrado em mostrar resultados, além de baixar a temperatura política. Incumbentes podem até ganhar eleição com base na agitação e na rejeição aos adversários, mas não conseguirão escapar de precisar contar as realizações de seu governo na hora em que o eleitor perguntar por que, afinal, deve dar mais quatro anos a quem já teve quatro.
E, se notarmos que todos os presidentes eleitos desde 1994 se reelegeram, não chega a ser tarefa impossível. Mas é a primeira vez que, a esta altura, o candidato à reeleição não lidera as pesquisas. E enfrenta cenários de dificuldade nas simulações de segundo turno. E uma observação: políticos não gostam das pesquisas quando são ruins para eles, mas se todas dizem a mesma coisa é muito improvável que estejam todas erradas.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759