A economia não é o conjunto das “coisas”. É preciso acrescentar as pessoas. Não é a reunião apenas das máquinas, matérias-primas, mercadorias e do dinheiro, em suas variadas formas. É a reunião disso e, mais importante, dos seres humanos que estabelecem relações materiais de produção e troca no mercado.
Impor uma contradição definitiva entre “a saúde” e “a economia” tem utilidade para fins propagandísticos, é útil para criar mistificações políticas, mas traz um problema: supõe que a segunda pode ser analisada abstraindo-se aspectos subjetivos e até objetivos da força de trabalho.
Não à toa as modernas abordagens econômicas levam cada vez mais em conta os vetores subjetivos, que pedem equações mais complexas.
Qual será então o melhor caminho para evitar que a retração econômica trazida aqui, como em todo lugar, pela chegada da pandemia da Covid-19 vire um “L”, sem retomada vigorosa visível? O ideal seria o “V”, mas até um “U” vai ser aceitável. É melhor dar prioridade ao combate da pandemia ou deixá-la cobrar maior custo em vidas em troca de menos queda na atividade?
Quem defende a segunda visão poderá argumentar que, se toda a população britânica tivesse passado a II Guerra Mundial escondida em bunkers, era certo que os ingleses teriam tido grande dificuldade para prevalecer contra o inimigo ao final. E o outro lado poderá contrapor que, se todos tivessem morrido, também. Onde estará o ponto ótimo de equilíbrio na Covid-19?
Parece variar em cada país.
“Adianta pouco reabrir o comércio e os shoppings se a confiança do consumidor continua no chão”
É bom observar o que acontece em Wuhan, o epicentro da epidemia na China. Aprender com os erros e os acertos alheios é sinal de inteligência. Ali, após hesitações iniciais, as autoridades impuseram medidas duríssimas de isolamento social para conter o avanço da doença. Mas não esperaram a completa eliminação da circulação do vírus para tentar voltar a alguma normalidade.
Se é que algum dia se poderá, lá como aqui, falar ainda em “normalidade”.
O mais importante? A economia só reagirá mesmo quando as pessoas se sentirem novamente algo confiantes para retomar o papel de produtores e consumidores. Na Itália, fábricas que tentaram reiniciar as atividades prematuramente enfrentaram greves. E adianta pouco reabrir o comércio e os shoppings se a confiança do consumidor continua no chão.
Ele simplesmente não comparecerá, ou não comprará.
Fica uma dica: as pessoas não estão em casa principalmente porque algum governo mandou. Estão em casa porque têm medo.
A volta da confiança será função direta de acreditar que as autoridades reduziram bem os riscos à saúde e são capazes de dar conta das tarefas que restam. Por isso, o maior entrave à retomada da nossa economia são a irracionalidade e a continuidade da guerra política. Que já deu o que tinha de dar.
Só observar: os danos à saúde e à economia provocados pela Covid-19 em cada país são função direta da desorganização política interna.
Deveria ser um alerta para nós.
Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681