O movimento do presidente Jair Bolsonaro no sentido de uma composição com o chamado Centrão parlamentar tem algo, sim, de moderação. Mas já foi bem diagnosticado como uma guinada para a preservação do poder. Ele soube detectar de onde vêm as maiores ameaças: daqueles que o ajudaram na eleição, mas a contragosto.
A flexão tática bolsonarista ao dito centro trouxe um efeito colateral interessante, um fenômeno ainda por medir e observar. Um “novo centro” que, paradoxalmente, radicaliza pela direita. Uma reação de parte do bolsonarismo puro e deixado para trás, agora já um quase ex-bolsonarismo, e que tem tudo para se agrupar em torno do ex-ministro Sergio Moro.
Aliás, como era previsível, e foi previsto, ele desponta firme para se viabilizar no arco-íris do autodeclarado centrismo.
Aconteceu algo semelhante com Luiz Inácio Lula da Silva quando precisou se dobrar à realidade da política. Mas com uma diferença. O que espirrou para fora do barco (o PSOL) não tinha então musculatura nem lideranças capazes de fazer o PT sofrer de verdade a curto prazo.
Se juntar Luciano Huck, Sergio Moro e João Doria, algum jogo pode dar. Há a natural dificuldade de fazer dois dos três abrir mão. Até porque o prêmio parece apetitoso: assumir a Presidência da República com o apoio maciço do establishment e do que Roberto Campos chamava de “a opinião publicada”. Algum membro do trio aceitará ser vice? Vai saber…
“Se juntar Huck, Moro e Doria, algum jogo pode dar, mas será difícil fazer dois deles abrir mão”
Um desafio? O Brasil não chegará a 2022 em situação econômica brilhante. Haverá provavelmente, e inclusive em decorrência da Covid-19, mais pobres e quase tantos desempregados quanto havia quando Dilma Rousseff foi removida do Planalto. Se não mais.
Por que a referência é o ocaso de Dilma? Porque ao fim de 2022 já terão se passado longos mais de seis anos desde que foi apeada. E de lá para cá as políticas econômicas vêm seguindo uma linha de continuidade. E sempre com o apoio do antibolsonarismo dito de centro. É razoável, portanto, que o debate em 2022 volte a girar em torno da economia. O resultado das escolhas feitas. Isso se a oposição for esperta.
Um debate político centrado na economia não será muito confortável para o chamado centro, em seus diversos matizes, pois terá de explicar por que depois de mais de seis anos as coisas continuam, na essência, do jeito que estavam antes. E como encarnar o anseio de mudança propondo mais do mesmo? Não será trivial.
E tem ainda aquele outro problema, já detectado em 2018. A insistência em querer combater simultaneamente a esquerda e a direita que se assume como tal. É a história do gato que persegue dois ratos ao mesmo tempo. O mais provável, quase certo, é não capturar nenhum. Aliás, a experiência de 2018 já deveria ter servido para alguma coisa.
Poderiam aprender também com Joe Biden. Não dá para antever que o democrata vai ganhar, mas, por enquanto, ele mostrou ter absorvido uma lição fundamental na política. Procure sempre acertar na definição do adversário principal, que a cada momento é apenas um. O custo de errar nisso costuma ser muito alto.
Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709