A menor das preocupações de Jair Bolsonaro é com o humor do mundo. Pouco se lhe dá que o discurso feito na abertura da Assembleia-Geral da ONU tenha sido desconstruído ponto a ponto e, por obra da versão fantasiosa, angariado críticas e descrédito. O presidente está se lixando para a avaliação mundial sobre o governo dele, assim como não liga a mínima para a opinião do público interno que compreende a extensão dos prejuízos causados pela devastação dos nossos recursos naturais e a degradação da imagem do Brasil no exterior.
A maior preocupação de Jair Bolsonaro é com o estado de espírito do brasileiro médio que vota e explicita suas demandas prioritárias em pesquisas como a do Ibope publicada no jornal Estado de S. Paulo no último dia 21. Ali foram listados dezoito itens para que os eleitores paulistanos apontassem suas premências: o meio ambiente ficou com o penúltimo lugar, com índice de 1%, apenas atrás do lazer e cultura, que registraram 0% na escala de interesses dos consultados.
É nesse tipo de cenário (provavelmente replicado país afora) de prioridades relacionadas a saúde, transporte, segurança, emprego, educação e outras carências que o presidente da República concentra suas atenções, convicto de que, assim, fala para o enorme contingente em cuja pauta de urgências não consta a preservação do meio ambiente. Um dado de lamentável realidade ao qual se atém o presidente em detrimento do dever e da necessidade de incutir na população a educação ambiental como fator essencial de sobrevivência.
“O populismo regressivo em vigor deseduca e só nos leva à desordem e ao retrocesso”
Bolsonaro segue dando ao tema o tratamento de supérfluo, como se artigo de luxo fosse, coisa do interesse exclusivo de uma elite desatenta às agruras do cotidiano. Faz parecido em relação à crise sanitária: nega a realidade, transfere culpas e responsabilidade, posiciona-se como vítima dos mal-intencionados, aponta conspirações, exalta qualidades que não tem, celebra feitos inexistentes, abusa, enfim, de raciocínios formulados para produzir ilusão de verdade.
No pronunciamento à ONU o presidente exibiu essas características todas, exclusivamente concentrado no público que busca ampliar e com o qual pretende se manter identificado a fim de obter mais um mandato. Os críticos, na visão dele, já estão perdidos mesmo e a imagem do Brasil no exterior, ora, essa não faz visagem na urna eletrônica. Portanto, pouco importa.
Fosse Bolsonaro o amante da pátria que apregoa, deveriam importar os prejuízos impostos ao agronegócio (nosso maior ativo econômico), o favorecimento que isso proporciona aos competidores internacionais, o patrocínio do descrédito aos órgãos de fiscalização e monitoramento, a redução dos investimentos, os mais de 15 bilhões de dólares que deixaram o país neste ano, os 87 bilhões de reais de capital estrangeiro retirados da bolsa, num panorama dantesco.
Atos e palavras do presidente, contudo, desenham o patriota do avesso que, a pretexto de defender, só propicia ataques ao Brasil.
Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706