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É Tudo História

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O que é fato e ficção em filmes e séries baseados em casos reais
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O que é real e o que é ficção em ‘Assédio’, sobre o caso Roger Abdelmassih

Série produzida pela Globo expõe a luta das vítimas em busca de justiça, as investigações e o absurdo final da história do médico condenado por estupro

Por Mabi Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 out 2018, 18h27 - Publicado em 10 out 2018, 13h26

Amigo de celebridades como Hebe Camargo e Roberto Carlos, Roger Abdelmassih era referência em fertilização in vitro. Sua popularidade atravessava as fronteiras do Brasil, até o dia em que sua secretária quebrou o silêncio sobre as investidas sexuais do patrão em 2008. A partir dali, uma sequência de denúncias descortinou a suja realidade do que acontecia na clínica do médico, que acabou condenado na Justiça por estuprar 39 mulheres — mas desde 2017 não cumpre na prisão sua sentença.

O caso voltou a ser assunto recentemente com a minissérie Assédio, disponível na plataforma de streaming Globo Play, que toma a história emprestada, misturando ficção e realidade, com destaque para a luta das vítimas para ver o assediador preso.

“A minissérie vai fundo, mas a realidade foi muito pior” comenta Vicente Vilardaga, autor do livro A Clínica: a Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih, que deu origem ao programa, em que Abdelmassih se torna Roger Sadala, interpretado por Antonio Calloni.

Na próxima segunda-feira, 15, o primeiro capítulo da série será exibido, sem intervalos, na Globo, após Segundo Sol.

Confira abaixo o que é real, o que é inspirado na realidade e o que é ficção em Assédio.

 

Vítimas reais ou inventadas?

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(Reprodução/Divulgação)

A minissérie sintetiza o drama das vítimas do ex-médico Roger Abdelmassih em quatro personagens principais: Stela (Adriana Esteves), Eugênia (Paula Possani), Vera (Fernanda D’Umbra) e Maria José (Hermila Guedes). “O número era muito maior. As protagonistas misturam o passado, características físicas e psicológicas de várias vítimas”, explica Vilardaga, em conversa com  VEJA“Eu não saberia dizer qual personagem representa qual pessoa. Elas são exemplos de classes sociais, violências e das reações dos companheiros diante do crime.” Stela, por exemplo, perde o esposo e atenta contra a própria vida. Eugênia recebe muito apoio do marido, que a encoraja a denunciar o médico, apesar de duvidar da paternidade de sua filha. Vera reage ao assédio, e não deixa Sadala ir mais longe. Já Maria José convenceu o companheiro a contrair uma dívida exorbitante para tentar a fertilização in vitro.

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Aquela que quebrou o silêncio

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(Fabiano Battaglin/ Divulgação/Gshow)

Daiane (Jéssica Ellen), secretária de Roger Sadala, retrata uma personagem real. Cristiane da Silva Oliveira trabalhava como recepcionista na clínica de Abdelmassih quando o médico tentou beijá-la a força. Como na série, ela foi a primeira a levar o caso para a polícia, incentivando diversas outras denúncias que, por fim, levaram a instalação de um inquérito contra o ex-médico.

 

A primeira vítima

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(Globoplay/Reprodução)

As acusações contra Abdelmassih concentravam casos que aconteceram entre 1990 e o começo dos anos 2000. Uma testemunha, no entanto, surgiu para mostrar que o comportamento predatório do ex-médico datava de muito antes. Teresa Cordiolli havia sido paciente de Abdelmassih nos anos 1980, quando tinha 17 anos e ele era residente no Hospital Irmãos Penteado, em Campinas.

Apesar de parecer obra de ficção de terror – e das bravas – a história da personagem Irene (Susana Ribeiro), na série, desenha a tortura sofrida por Teresa nas mãos de Abdelmassih. Com cólicas renais, ela foi internada em uma ala isolada do hospital, onde só o médico tinha acesso. Ele a molestou por dias a fio, tendo só como testemunha uma outra paciente, cega. Assustada, ela acabou fugindo do prédio, sem nunca assinar a alta.

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Vítimas unidas

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(Globo/Divulgação)

Algumas das mulheres violentadas por Roger Abdelmassih criaram uma associação de apoio para acolher outras vítimas do médico e incentivá-las a denunciá-lo. Diante da fuga do agressor, no entanto, o foco do grupo mudou, e elas passaram a se dedicar a buscar pistas do paradeiro dele. Na vida real, contudo, elas não encontraram nada suficientemente sólido para localizá-lo no Paraguai, como acontece na série.

“Elas tiveram um papel importante, cooperaram, não deixaram que o caso fosse esquecido. Se as vítimas não tivessem persistido na história, talvez o Abdelmassih não tivesse sido capturado. A polícia estava acomodada, começou a se mexer apenas em 2014 porque era ano de eleições presidenciais. Mas, no final, foram eles que descobriram o paradeiro do ex-médico, junto com o Ministério Público”, explica Viladarga.

 

Sites de namoro em meio à investigação

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(Globoplay/Reprodução)

Um dos feitos mais mirabolantes da associação de vítimas foi inspirado em fatos. Pelas redes sociais, elas descobriram a identidade de uma funcionária da empresa que servia de fachada para enviar dinheiro para Abdelmassih no Paraguai, e entraram em contato com ela por meio de um site de namoro, se passando por outra pessoa. Ela caiu e, sem querer, contribuiu para o dossiê de informações que levaram à prisão de Abdelmassih.

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Na série, Stela, Eugênia, Daiane, Vera e Maria José também encontram um funcionário de Sadala na internet – com a diferença de que era um homem. Elas conversam com ele, fingem interesse, e logo o bonitão dá com a língua nos dentes quanto a uma pista crucial sobre o paradeiro do ex-médico, que muda todo o rumo da busca pelo personagem. 

 

A jornalista Sherlock Holmes

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(TV Globo/ Ramón/Divulgação)

A autora da série, Maria Camargo, compilou a participação de três jornalistas no caso Abdelmassih em uma única personagem, Mira (Elisa Volpatto). Meio repórter, meio Sherlock Holmes, a jornalista convence Daiane, secretária de Sadala, a prestar queixa do assédio do patrão, expõe as acusações contra ele na imprensa, e, de quebra, ainda ajuda a capturar o ex-médico no Paraguai. De tão obcecada com o caso, Mira esquece o filho pequeno no carro para transcrever uma entrevista exclusiva do médico, quase matando o menino.

“Quem reportou as acusações de assédio e abuso a Roger Abdelmassih foi a Ivandra Previdi, da Globo. Depois, a Lilian Christofoletti, da Folha de São Paulo, despontou divulgando a existência de uma investigação contra o Abdelmassih, e, no final, Leandro Sant’Anna, produtor do Domingo Espetacular, da Record, cobriu e contribuiu para a fuga e captura do ex-médico”, explica Vicente Viladarga.

Ainda segundo o livro A Clínica, os jornalistas foram bem menos superpoderosos. Eles desempenharam seu trabalho com maestria, mas não houve na história nenhum Bob Woodward ou Carl Bernstein (que ajudaram a derrubar Richard Nixon no escândalo Watergate), responsáveis por descobrir o caso e resolvê-los sozinhos. Passagens como Mira perseguindo um possível aliado do ex-médico de carro são pura ficção. “Ninguém esqueceu o filho no carro também”, comenta Viladarga.

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Escolinha bilíngue para os filhos

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(Globoplay/Reprodução)

O gosto requintado de Abdelmassih foi o que, afinal, denunciou a localização exata do ex-médico à polícia. Em conversas grampeadas pelas autoridades, Roger comentou com a irmã, Estela, que ele e a esposa estavam procurando uma escolinha bilíngue para matricular os filhos gêmeos, prestes a completar 3 anos.

Na série, tudo acontece muito rápido. Mira está seguindo, de carro, um funcionário de Roger, mas perde o rastro dele próximo de Foz do Iguaçu. Desesperada, a jornalista liga para o promotor do caso, e ele sugere que o homem deve estar indo para um lugar onde haja escolas bilíngues. Com a ajuda da associação de vítimas, Mira descobre que a maior concentração de instituições do gênero nas redondezas era em Assunção — tudo em menos de uma hora.    

Na vida real, o processo foi bem mais complicado. Desde o começo, o produtor da Record Leandro Sant’Anna — a quem Mira representa nesta fase final da minissérie — trabalhou mais em conjunto com a polícia, do que com a associação de vítimas. Como estava em busca de um furo para o Domingo Espetacular, aliás, Sant’Anna filtrava as informações que dava a elas, por acreditar que estavam em contato com repórteres de outros veículos.

Levaram semanas e uma dezena de outras pistas para a polícia, ao lado de Sant’Anna, concluírem que Abdelmassih e a esposa tinham matriculado os filhos no maternal Maria’s Preschool, em um bairro de classe alta de Assunção, no Paraguai. Os policiais cruzaram a provável data de nascimento das crianças — a fuga ocorreu quando Larissa ainda estava grávida — com uma festa de aniversário realizada na escola, na qual reconheceram a esposa. Uma semana depois, os policiais abordaram o casal na rua, logo depois de deixarem os gêmeos na instituição infantil, a quatro quadras da casa deles. Sem estardalhaço, para não assustar as crianças.

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Final feliz para o vilão 

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(Globoplay/Reprodução)

Em menos de um dia, o ex-médico foi encaminhado para o Brasil. Uma vez no país, Roger Abdelmassih foi encarcerado no presídio do Tremembé, onde estavam custodiados outros criminosos “ilustres”, como Alexandre Nardoni, Cristian e Daniel Cravinhos. Dos 278 anos de reclusão a que foi condenado, o ex-médico cumpriu apenas três. Em 2017, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu um habeas corpus a Abdelmassih, permitindo que cumprisse a pena em prisão domiciliar por questões de saúde — seu advogado chegou a alegar que ele tinha uma  “expectativa de vida muito curta”.

Desde então, o ex-médico vive com a esposa e os filhos gêmeos em um condomínio de luxo em São Paulo. No seriado, Roger Sadala também tem seu “final feliz”. Na cena final, o personagem é empurrado em uma cadeira de rodas por um agente penitenciário para fora do presídio até um carro, onde sua companheira, Carolina, o recebe com beijos.

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