Demorei para me animar a ver estas séries. Fui uma boba.
Sou fã de Parks and Recreation, a maravilhosa série sobre uma funcionária pública muito dedicada e bem-intencionada e os seus colegas do diminuto departamento de Parques e Recreação da prefeitura da pequenina cidade de Pawnee, no estado de Indiana. Lesley Knope, a funcionária que Amy Poehler interpreta, é como uma bolha de sabão feita de alegria e ansiedade – sempre prestes a estourar. Lesley é uma Miss Perfeição com coração de manteiga derretida, e acha que o serviço público é uma atividade ideal para quem quer promover o bem. Mas é a segunda-em-comando do departamento; o chefe é o impagável Ron Swanson vivido por Nick Offerman, um republicano radical que desconfia de toda forma de governo, e por isso mesmo trabalha para o governo – “para destruí-lo por dentro” (o que, no seu caso, é o pretexto fazer o mínimo possível sempre). Criada por Greg Daniels e Michael Schur, Parks and Recreation começa bem, mas é a partir da segunda temporada (de um total de sete) que ganha textura de fato: vê-se que os criadores começaram a escrever tirando o máximo partido dos seus excelentes atores – Chris Pratt, Rashida Jones, Adam Scott, Aubrey Plaza, Rob Lowe, Jim O’Heir, Retta e Aziz Ansari.
Se gosto assim de Parks and Recreation, porque enrolei tanto para começar a ver Brooklyn Nine-Nine, que está lá dando sopa no Netflix e é criação do mesmo Michael Schur, desta vez em parceria com Daniel J. Goor (que escreveu muitos dos episódios de P&R)? Tenho até vergonha de confessar: porque, na grafia do nome, Andy Samberg me faz lembrar Adam Sandler, e porque no pouco que vi do trabalho de Samberg no Saturday Night Live, ele parecia fazer uma variação daquele sujeito infantilizado que celebrizou Adam Sandler – um tipo cômico que eu não aguento mais. Descartei, assim, dois dados importantes: a assinatura de Schur e Goor, e o ultramegamaravilhoso clip-esquete que Samberg fez com Justin Timberlake, D*** in a Box. Essa era a pista que eu deveria ter seguido.
Pois bem, enrolei mas afinal decidi experimentar. Ainda bem. Brooklyn Nine-Nine, da mesma forma que Parks and Recreation, usa tudo que há de melhor na “comédia de escritório” americana: o humor da convivência forçada entre pessoas que, deixadas livres na natureza, provavelmente se manteriam bem longe umas das outras. Nunca, por exemplo, o capitão da delegacia, o eternamente impassível Ray Holt (Andre Braugher, arrasando), escolheria ter entre seus comandados o pueril, excitável e desorganizado detetive Jake Peralta (Andy Samberg). É possível que o capitão Holt desse, sim, uma chance à certinha Amy Santiago (Melissa Fumero) ou à assustadora Rosa Diaz (Stephanie Beatriz), por quem ele tem inegável admiração. Não deixaria escapar o detetive-halterofilista Terry Jeffords (Terry Crews), apesar de ele ter medo de sair de trás de sua escrivaninha. E certamente manteria como sua secretária a tresloucadamente egocêntrica Gina (Chelsea Peretti), porque ela é uma fonte inesgotável de informação sobre o que se passa na delegacia. Mas jamais, se pudesse, ficaria com os detetives horrivelmente incompetentes interpretados por Joel McKinnon Miller e Dirk Blocker, ou com o desastrado e carente Charles Boyle (Joe Lo Truglio). A marca registrada de Michael Schur, porém, é a natureza benigna dos seus personagens: eles têm toda variedade de pequenas falhas humanas, mas não são, nunca, pessoas nefastas ou detestáveis. Por isso, em P&R e em Brooklyn Nine-Nine, a comédia da proximidade funciona tão bem – porque há muito mais razões para procurar a conciliação e encontrar um território comum do que para expelir alguém do grupo.
O timing cômico dos roteiristas e do elenco, além disso, é um deleite, e tão cientificamente equilibrado entre as especialidades específicas de cada um dos atores que não há nem um instante “morto” sequer nos 22 minutos de cada episódio. Andre Braugher, em particular, é um gênio da comédia – embora, em seus mais de 25 anos de carreira, tenha sido conhecido sempre como um formidável ator dramático (por exemplo, nos 100 episódios do drama policial Homicide, do qual era o protagonista). O capitão Holt invoca constantemente os preconceitos que superou na polícia por ser negro e gay – não porque alguém ainda dê bola para o fato de ele ser negro ou gay, mas porque isso rende flashbacks hilariantes de Holt, com seu penteado afro, na Nova York dos anos 70 e 80. Enfim, mal posso esperar para a terceira temporada de Brooklyn entrar na grade do Netflix.
Com Master of None – essa uma produção original do Netflix –, criada e escrita por Aziz Ansari em parceria com seu amigo Alan Yang (que, claro, foi co-produtor de Parks and Recreation), minha desconfiança inicial teve motivos um pouco mais fundamentados, embora não menos equivocados: em P&R, o personagem de Aziz era o mais superficial de todos, o mais mimado e o mais fascinado com seu próprio umbigo. Nunca senti por ele a mesma afeição que os outros personagens me despertavam – e, como nesse tipo de comédia a projeção do ator sobre o personagem é um dado importante, supus que houvesse um alto grau de coincidência entre Aziz e sua persona em P&R. A deliciosa, tocante e muito perspicaz Master of None desfaz essa impressão: ao contrário do que diz o título da série (“mestre em coisa nenhuma”), Aziz tem quantidades impressionantes de observação inteligente com que contribuir.
Dev, o personagem que ele interpreta na única temporada já lançada, é um ator que vive (e vive até muito bem) de pequenos papeis em Nova York. Dev é filho de um médico (interpretado pelo próprio pai de Aziz) que imigrou da Índia para os Estados Unidos na juventude e penou para se estabelecer e dar ao filho a vida que ele não teve. Conseguiu: Dev tem 30 anos e nada lhe falta – exceto objetivo, rumo, ambição, método. Dev é um avatar, claro, para a geração da qual faz parte, um pouquinho estragada pelo excesso de conforto e pela falta de cobrança.
Meu episódio favorito é aquele em que Dev e seu melhor amigo, o filho de chineses Brian (Kelvin Yu), ambos dão desculpas esfarrapadas para não ajudar seus respectivos pais com alguma tarefa. Depois, se sentem meio mal por terem sido tão egoístas e começam a pensar: não sabem nada do passado dos pais – que vem revelado em dois flashbacks estupendos. É lindo também o episódio em que, para conquistar uma garota (a ótima Noël Wells) com quem já passou uma noite, Dev a convida para uma viagem de fim-de-semana a Nashville; romance de verdade, eu diria, é isso. Ou seja: mal posso esperar, também, pela segunda temporada de Master of None. A única hipótese em que não vou mergulhar nela de cara é se eu já estiver assistindo à terceira temporada de Brooklyn Nine-Nine.