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Isabela Boscov

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Com ‘Sombra e Ossos’, Netflix acirra disputa por novo fenômeno da fantasia

A plataforma tenta mostrar sua força no segmento que virou o instrumento mágico do streaming; mas o jogo vai ser duro

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 14h01 - Publicado em 22 abr 2021, 19h30

Orfã desde tão cedo que nem se lembra dos pais, Alina Starkov (Jessie Mei Li) ganhou uma família no dia em que o garoto Mal Oretsev (Archie Renaux) chegou ao orfanato de Keramzin e os dois se tornaram companheiros inseparáveis. Alina e Mal são agora recrutas no Primeiro Exército, e estão prestes a conhecer o lugar mais tétrico de toda Ravka: a Dobra das Sombras, uma massa de trevas em que só criaturas terríveis, os volcras, sobrevivem, alimentando-se de quem se aventure nela. Mas é preciso aventurar-se nela, porque a Dobra divide Ravka em duas e não há como contorná-la pelo norte nem pelo sul, já que Ravka trava guerras perenes em suas fronteiras. É com trepidação, portanto, que Alina e Mal ingressam no barco que, com as velas cheias pelo vento conjurado pelos grishas, vai deslizar sobre as areias estéreis da Dobra até o outro lado. Os volcras, porém, atacam o navio. Mas, no instante em que um deles põe as garras em Mal, o rapaz é salvo: uma luz cegante como que explode no tombadilho, matando ou afugentando os volcras. Alina não sabe de onde veio a luz, mas os sobreviventes viram: veio dela. Os Conjuradores do Sol, então, não são só lenda. Ao menos uma existe, e para o General Kirigan (Ben Barnes), o Darkling, não poderia haver notícia melhor.

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Passada em uma Rússia tsarista fantástica, a trilogia da americana Leigh Bardugo em que a série da Netflix Sombra e Ossos (Shadow and Bone, Estados Unidos, 2021) se baseia vem com mitologia, história e idioma próprios, transpondo para uma moldura eslava aquele formato de saga que evoca versões da Inglaterra medieval — caso dos dois títulos hoje mais célebres do gênero, O Senhor dos Anéis e Game of Thrones. No momento de desespero, Alina revelou ser grisha, uma espécie de elite com poderes especiais que resultam da “Pequena Ciência”, ou a habilidade inata de comandar matéria e energia. Os grishas compõem o Segundo Exército de Ravka e são liderados pelo General Kirigan, o mais poderoso de todos eles e o único capaz de manipular a escuridão. Ter ao seu dispor uma Conjuradora do Sol garante a Kirigan domínio completo não apenas sobre os elementos, mas sobre o frágil sistema político de Ravka. E assim, com o pretexto de que só Alina poderá destruir a Dobra, ele coopta a garota e a afasta de Mal.

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Para a Netflix, que disponibiliza na íntegra os oito episódios da primeira temporada — nos quais a trama da trilogia Sombra e Ossos se entrelaça com a da duologia Six of Crows —, a expectativa é confirmar sua posição de concorrência no segmento da fantasia. Qualquer vantagem, porém, é temporária. GoT qualificou o gênero como o instrumento mágico do streaming e, se a busca por ele não tem sido tão frutífera (entre vários exemplos, a Amazon fracassou com Carnival Row e a HBO patina com His Dark Materials e a recém-lançada The Nevers), o panorama decididamente vai mudar: enquanto a Amazon despeja o recorde estarrecedor de quase meio bilhão de dólares em uma série derivada de O Senhor dos Anéis, a HBO prepara House of the Dragon para contar a história da dinastia Targaryen e — claro — seus dragões (veja abaixo).

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A inércia embutida nesses dois projetos é imensurável: ambos vêm com leitores e espectadores cativos e preenchem um sentimento agudo de perda — a orfandade deixada pela trilogia de O Senhor dos Anéis no cinema e por Game of Thrones na TV. O potencial de espetáculo das duas produções é colossal, e esse é um aspecto em que Sombra e Ossos vai enfrentar as comparações mais duras. É normal que, por precaução, não se passe cheque em branco para temporadas inaugurais. Mas, embora o orçamento de Sombra e Ossos não seja modesto, falta ao que se vê na tela a grandiosidade daquilo que se tem na página. Às vezes, a discrepância é decepcionante: mais que testemunhar com os próprios olhos aquilo de que Alina é capaz ou sentir na pele o temor de atravessar a Dobra, o espectador tem de se fiar nas reações dos outros personagens para amplificar, em sua imaginação, a escala dessas cenas. Não se sabe de ninguém que possa, de fato, chamar para si toda a luz do Sol. Mas há criadores suficientes capazes de transformar fantasia em ouro para que se possa afirmar que só os destemidos, e não os cautelosos, deixam sua marca nesse terreno.

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Da fantasia à realidade

Outras apostas muito vistosas no gênero que virou o Santo Graal do streaming

O SENHOR DOS ANÉIS -
O SENHOR DOS ANÉIS – (Amazon Studios/.)

O SENHOR DOS ANÉIS

Produção: Amazon Prime Video

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Previsão de estreia: fim de 2021
Chances de “pegar”: 99%

Em filmagem na Nova Zelândia, a série recua 10 000 anos no tempo para narrar os eventos que desaguariam na Primeira Guerra do Anel. Os hobbits Frodo e Bilbo, naturalmente, não aparecem aqui — mas elfos como Galadriel (vivida pela atriz em ascensão Morfydd Clark) são centrais à trama. Serão cinco temporadas, se tudo der certo — e tudo deve dar certo, levando-se em conta a legião de fãs de Tolkien, o orçamento de superprodução (465 milhões de dólares) e a volta de personagens dos filmes de Peter Jackson.

THE WITCHER
THE WITCHER – (Katalin Vermes/Netflix)

THE WITCHER — A SEGUNDA TEMPORADA

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Produção: Netflix
Previsão de estreia: agosto
Chances de “pegar”: mais de 90% entre o público da primeira temporada

A crítica torceu o nariz para a série adaptada da obra do polonês Andrzej Sapkowski e estrelada por Henry Cavill como um solitário caçador de bestas fantásticas que muitas vezes considera os seres humanos inimigos bem mais irritantes. De fato, as mudanças de tom são bruscas, há enredo em excesso e a peruca platinada de Cavill é horrível. Mas The Witcher tem, sim, grande oferta de diversão e potencial de permanência. Na primeira temporada, obteve 93% de aprovação dos espectadores.

THE NEVERS
THE NEVERS – (./HBO)
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THE NEVERS

Produção: HBO
Dois de seis episódios já no ar
Chances de “pegar”: 50%

Combinando a estética “steampunk” vitoriana com a história fantástica de mulheres com poderes especiais na Londres de 1895, a série de Joss Whedon (Buffy) enfrenta a onda de rejeição detonada pelas denúncias de assédio moral contra seu criador, além de seus próprios problemas — por exemplo, a sensação de que a ambientação no século XIX é só um truque para maquiar um tema batido. Mas tem elenco excelente, é bem produzida e, se acertar o passo até o final da temporada inaugural, pode ganhar sobrevida.

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GAME OF THRONES -
GAME OF THRONES – (./HBO)

HOUSE OF THE DRAGON

Produção: HBO
Previsão de estreia: 2022
Chances de “pegar”: 90%

Passada 300 anos antes de Game of Thrones, a série se concentra na dinastia dos Targaryen e foi o único entre cinco projetos derivados de GoT a sobreviver ao crivo dos produtores, às limitações da pandemia e às mudanças internas na HBO. O elenco, ainda em fase de escalação, já inclui Paddy Considine, Olivia Cooke, Matt Smith, Rhys Ifans e Eve Best. Considerando o fenômeno que foi GoT, a nova série tem público automático, mas vai ter de lutar com as comparações com a original e com a insatisfação que o desfecho dela deixou.

Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735

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