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“O Rei Leão” é uma maravilha técnica, mas não comove

Timão e Pumba de novo roubam a cena nesta versão em que fotorrealismo e fantasia vivem um casamento nem sempre feliz

Por Isabela Boscov 11 jul 2019, 20h02

A equipe se esmerou: não há tonalidade da savana que não esteja reproduzida à absoluta perfeição quando Musafa, rei dos animais, mostra a Simba, o seu príncipe recém-nascido, aquilo que um dia caberá a ele governar – tudo o que a luz do sol toca. As revoadas de pássaros acompanhadas por suas sombras no capim dourado, as girafas de pescoços ondulantes, as fileiras de elefantes tão majestosos quanto os baobás, as manadas de zebras e gazelas que bebem dos olhos d’água plácidos nos quais os hipopótamos descansam. Da mesma forma, não há um pelo da juba de Musafa que não se agite de maneira perfeitamente crível com a brisa – e Simba é um filhote tão tenro e vivo que a reação da plateia a ele é fisiológica, e portanto inevitável: apego imediato. Se a questão é a memória afetiva do desenho de 1994 (o maior sucesso da animação da Disney até hoje, ultrapassando com folga Frozen em valores atualizados), o diretor Jon Favreau cuidou dela com a mesma minúcia de seu trabalho anterior, Mogli, o Menino Lobo: com uma ligeira mudança aqui ou ali, o roteiro é o mesmo de 25 anos atrás, para que ninguém se enerve com revisões indesejadas. Boa parte do apelo desta versão, aliás, não vem do que está na tela, e sim daquilo que o espectador carrega consigo para dentro da sala de cinema. Mas, apesar de todo esse zelo e de tanta beleza, o novo O Rei Leão tem algo de inanimado, quase frio, e provoca no espectador uma cisma que poucas vezes, durante as duas horas de filme, deixa de o incomodar: é difícil conciliar o fotorrealismo das imagens, quase impossíveis de distinguir daquelas que passam todas as horas do dia na National Geographic ou no Animal Planet, com a fantasia da ideia de que esses bichos falam com voz de gente.

O Rei Leão
(Disney/Divulgação)

Daí decorre um problema adicional: tudo aquilo que no desenho original de 1994 foi “esticado” de maneira tão cativante – as expressões humanizadas dos animais, a sua expressão corporal teatralizada – não cabe no hiperrealismo 100% manufaturada em computação gráfica. A responsabilidade dos dubladores dobra. E tem-se aí outro problema: pelo menos na versão original, nem todos eles estão à altura da tarefa que se exige deles. Deixam a desejar Chiwetel Ejiofor, de 12 Anos de Escravidão, que é um grande ator, mas precisaria comer muito feijão ainda até equiparar sua atuação ao espetáculo de sarcasmo, inveja, sedução e mesquinhez em que Jeremy Irons transformou o leão sem trono Scar, em 1994. Donald Glover, de Atlanta, faz o Simba adulto parecer um adolescente indeciso, e Beyoncé não confere nenhuma personalidade a Nala. Na coluna dos grandes acertos ficam James Earl Jones, tão insubstituível como Musafa que tiveram de usar novamente sua voz; o comentarista político John Oliver, do Last Week Tonight, um deleite como Zazu (um deleite providencial, aliás, já que pássaros não têm expressão facial – nenhuma – e Zazu precisa de toda ajuda que seu dublador pode dar a ele); Billy Eichner como Timão; e, reinando supremo sobre todos, Seth Rogen como Pumba. Rogen está tão bem, mas tão bem como o javali que os trechos em que ele está em cena são os únicos em que O Rei Leão consegue aquilo que, idealmente, deveria conseguir o tempo todo: fazer a plateia crer que bichos por natureza falam e pensam como gente.

O Rei Leão
(Disney/Divulgação)

O suricato Timão e o javali Pumba já roubavam a cena no desenho de 1994, e aqui repetem a façanha (a aparição de Pumba, como uma miragem no deserto, é para dar alegria aos aficionados de Lawrence da Arábia). A dupla tem a distinção, também, de protagonizar o único número musical em que a produção de Pharrell Williams demonstra alguma inspiração: uma versão em boomboxing, com os animais imitando instrumentos musicais, da maravilhosa The Lions Sleeps Tonight – um achado composto em zulu, em 1939, pelo sul-africano Solomon Linda, incontáveis vezes regravado em inglês nos anos 50 e 60, e a única faixa da trilha original que não era assinada por Elton John e Tim Rice (em contraste, o dueto de Simba e Nala em Can You Feel the Love Tonight ficou de uma breguice constrangedora; Jane e Herondy fariam melhor). Vindo já na esteira de outras tantas versões live-action – ou quase isso – da Disney para seus desenhos, O Rei Leão representa um futuro que não tem volta; quando mais o cinema avança tecnicamente, mais irresistível sempre será a possibilidade de refazer e reimaginar aquilo que já foi feito. A excelência da execução, porém, não é tudo. Sobra um bom espaço, ainda, para aumentar o grau de inspiração e, neste caso, de alma e sentimento.

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O REI LEÃO
(The Lion King)
Estados Unidos, 2019
Direção: Jon Favreau
Com Donald Glover, Chiwetel Ejiofor, James Earl Jones, Beyoncé, Seth Rogen, John Oliver, Billy Eichner, Alfre Woodard, Florence Kasumba, Keegan-Michael Key, JD McCrary, Shahadi Wright Joseph
Distribuição: Disney
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