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‘Sergio’, da Netflix, transforma um grande homem em mote para filme banal

Com Wagner Moura fora de tom e dramaturgia pedestre, longa é pequeno perto da trajetória do diplomata Sérgio Vieira de Mello

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 14h57 - Publicado em 17 abr 2020, 06h00

Na sua homenagem às vítimas do atentado de 19 de agosto de 2003 à sede da Organização das Nações Unidas em Bagdá, o então secretário-­geral Kofi Annan lembrou aquele que possivelmente teria sido seu sucessor no cargo como “o único oficial do alto escalão da ONU que todos chamavam pelo primeiro nome — Sérgio”. Enquanto Annan fala, na plateia vê-se muita gente entregando-se às lágrimas, ou esforçando-se para contê-las: o carioca Sérgio Vieira de Mello fora não apenas uma estrela da diplomacia internacional, como era também o mais próximo que se pode ter de uma unanimidade — bonito, acessível, carismático e capaz de atrair para o diálogo até os atores políticos mais avessos a ele, Vieira de Mello conquistava pelo trato fácil, mas garantia a admiração pela firmeza dos princípios que norteavam suas ações em campo, várias das quais se tornaram célebres. Foi pelo seu êxito em um caso tido como insolúvel, aliás — a independência do Timor Leste da Indonésia —, que ele ganhou a incumbência de acompanhar os primeiros meses da ocupação americana no Iraque, onde morreu a seis semanas de ir embora.

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Para entender o magnetismo e a eficiência de Vieira de Mello, porém, é melhor assistir na Netflix ao documentário Sergio, de 2009, que ao drama também intitulado Sergio (Estados Unidos, 2020), estrelado por Wagner Moura e já disponível na plataforma. Em um lance raro, ambos são assinados pelo mesmo diretor, o americano Greg Barker. Bem menos incomum é o saldo que se tira deles: o carisma do próprio Vieira de Mello e a força dos depoimentos reais e das imagens documentais são incomparáveis. Só em um ponto os dois longas se equiparam — na figura de Bill von Zehle, o reservista que localizou Vieira de Mello ainda vivo entre os escombros, junto de seu colega Gil Loescher — que sobreviveu —, e durante quase quatro horas tentou resgatá-lo com a ajuda apenas do paramédico Andre Valentine. No papel de Von Zehle, o ator Garret Dillahunt oferece, de longe, a interpretação mais envolvente do filme, enquanto, no documentário, o próprio Von Zehle é também quem mais comove. Na maneira direta como fala daquele dia, Von Zehle deixa entrever a admiração imensa que criou por Vieira de Mello e seu sentimento de uma perda irreparável.

Em contraste, a dramaturgia pedestre do Sergio ficcionalizado transforma o que é especial em banal: lutando pela vida nos escombros, Vieira de Mello revê sua trajetória pública e pessoal em flashbacks nos quais ele aparece quase como um prestidigitador da diplomacia. Suas jogadas mais ousadas — a aproximação com o Khmer Vermelho, no Camboja, ou com o regime indonésio — vêm como se fossem inspirações de momento, e não fruto de um meticuloso trabalho político. A precaução de lembrar que Vieira de Mello era humano e falível é perfunctória (conviveu pouco com os filhos; podia ser teimoso); o verdadeiro foco é seu romance com a argentina Carolina Larriera (Ana de Armas), com quem ele planejava iniciar vida nova no Rio de Janeiro após a missão no Iraque. No cômputo geral, Sergio não passa de um telefilme da semana — um resultado pequeno para um homem tão grande.

Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683

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