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De freira a sobrevivente de genocídio, as mulheres da Flip 2017

Autoras discutem linguagem, resistência e o poder das palavras do evento literário de Paraty

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 jul 2017, 21h34

Um dos slogans disfarçados da 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece até domingo na cidade fluminense, é a forte presença feminina entre as autoras convidadas. Pela primeira vez, o número de mulheres superou o de homens no evento. Como efeito, o público tem testemunhado uma pluralidade de universos e argumentações sobre linguagem, desde um breve olhar sobre os perfis das convidadas – que vão de uma sobrevivente de genocídio a uma premiada freira – até as mesas efetivamente.

O momento mais emocionante até o momento ocorreu na noite de quinta-feira, quando as autoras Noemi Jaffe e Scholastique Mukasonga falaram sobre memórias familiares na mesa batizada de “Em Nome da Mãe”. Scholastique, autora do livro A Mulher de Pés Descalços (tradução de Marília Garcia, Nós, 160 páginas, 35 reais) é uma sobrevivente do genocídio de Ruanda, ocorrido em 1994, em que toda sua família foi assassinada. Já Noemi conta a história da mãe, sobrevivente do holocausto na II Guerra Mundial, na obra O Que os Cegos Estão Sonhando? (Editora 34, 240 páginas, 49,90 reais).

“Eu como escritora preciso lembrar o que minha mãe precisou esquecer”, disse Noemi, antes da leitura de um trecho de seu livro em que narra o castigo dado à sua mãe em Auschwitz, quando ela assumiu, no lugar de uma prima, o roubo de um pedaço de manteiga. Durante um dia inteiro, ela precisou, de joelhos, carregar uma pedra acima da cabeça. “Uma mãe que sofreu é uma falha histórica”, diz o texto de Noemi.

“Entendi que eu sobrevivi para testemunhar o que aconteceu”, diz Scholastique. “A literatura me permitiu tecer mortalhas para cobrir o corpo da minha mãe. Quis tirar meus mortos da vala comum e fazer para eles um túmulo de papel.”

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Linguagem – O poder das palavras e da mulher como autora de sua história foi tema de mais conversas na Flip entre quinta e sexta-feira. Caso da mesa “Pontos de Fuga”, que reuniu a angolana Djaimilia Pereira de Almeida, a carioca Carol Rodrigues e a gaúcha Natalia Borges Polesso.

As jovens escritoras abriram alas para veteranas que viriam em seguida, Pilar del Río, também conhecida como viúva de José Saramago, que conduziu sozinha, após o cancelamento da arqueóloga Niède Guion, a mesa “Na Contracorrente” sobre resistência artística. Enquanto a chilena Diamela Eltit disputou o microfone com o documentarista Carlos Nader e o moderador João Bandeira. “Tenho prazer na escrita. A literatura é desordem, desobediência. Por isso decidi fazer diferente. Já estou velha, não sigo normas e escrevo menos, com outros horizontes sociais e apelos”, diz a escritora. A africana Deborah Levy foi a encarregada de fechar o dia, ao lado do jornalista William Finnegan, no debate “Por que Escrevo”. Ela lança no evento seu livro Coisas Que Não Quero Saber (tradução de Rogério Bettoni, Autêntica, 128 páginas, 37,90 reais), uma resposta feminina ao ensaio de George Orwell — que dá nome à mesa.

Freira premiada – No sábado, o destaque feminino se divide entre Ana Miranda e a freira Maria Valéria Rezende. Conhecida por livros infantis e dos romances premiados Quarenta Dias (Alfaguara, 249 páginas, 32,90 reais), Jabuti em 2015, e Outros Cantos (Companhia das Letras, 152 páginas, 29,90 reais), que ganhou o prêmio Casa das Américas em 2016. Maria Valéria discute ativismo e literatura na mesa “Kanguei no Maiki: Peguei no Microfone”, marcada para 15 horas. Antes, às 12 horas, a romancista brasiliense Ana Miranda fala sobre a história de mulheres revolucionárias no Brasil do século 19.

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