Do ópio ao ápice: a espantosa transformação de Singapura
A cidade-nação passou de ilhas miseráveis que ninguém queria para país rico e de altíssimo nível educacional com versão própria do capitalismo autoritário
Ao desembarcar em Singapura para o encontro com Donald Trump, o jovem ditador hereditário da Coreia do Norte praticamente mudou de planeta.
Entre a miséria do país de Kim Jong-Un e o esplendor da cidade-estado, acreditem, existem aspectos em comum. Pouco mais de meio século atrás, havia um grande número de comunistas entre a população chinesa de Singapura – 73% do total.
Tal como Baby Kim, o primeiro-ministro de Singapura, Lee Hsien Loong, também é um “filho de” – embora mais de um jornal do mundo tenha sido processado por insinuar que chegou ao cargo menos por mérito e mais por força do pai, o legendário LKY, como ficou conhecido.
Tudo o que se diz sobre Singapura é verdade: é proibido mascar chiclete, comer ou tomar água no metrô, servir bebidas depois das 22,30 horas em qualquer lugar.
Tráfico de drogas dá pena de morte obrigatória acima de determinadas quantidades. Em alguns anos, nem é preciso aplicá-la, por falta de criminosos. Apesar de campanhas internacionais contra, 95% dos habitantes de Singapura querem que a pena seja mantida.
Carros são inacessíveis mesmo para os ricos. Os apartamentos são todos iguais e é preciso entrar na fila do governo, com muito mais candidatos, claro, especialmente para um país com 57 mil dólares de renda per capita, ou 90 mil pelo critério paridade do poder de compra – terceiro lugar no mundo.
Desembarcar no aeroporto de Chengi já é uma experiência surreal para a maioria dos viajantes de outros países.
Vai ficar mais ainda no ano que vem, com a inauguração de um novo complexo, um domo de vidro e aço com jardins e floresta interna equivalente a cinco andares de altura.
Uma cachoeira circular despencará do centro da estrutura, espargindo gotículas tranquilizadoras e quebrando recordes como a mais alta do mundo em ambiente fechado.
Para brasileiros, nada impressiona mais em Singapura do que as lojas fechadas apenas com uma corda, como na entrada dos cinema antigamente, ou coberturas de plástico para proteger as mercadorias da poeira.
No ano passado, o país bateu o recorde de 135 dias sem nenhum crime, nem um simples furto de celular. Quem é pego nesse delito – coisa fácil, pois nem um passo é dado sem que as câmeras de segurança vejam – pega de um a sete anos de cadeia.
Com uma única riqueza natural, o porto de águas profundas na entrada do Estreito de Málaca, rota de 40% do comércio marítimo mundial, Singapura foi em 50 anos de lugar miserável a vitrine do capitalismo autoritário.
A mistura única de meritocracia e confucionismo, mão dura e cabeça nas nuvens, intervencionismo, padronização e rigor necessários para disciplinar a vida num país de 720 quilômetros quadrados, sem contar o incentivo tradicional das famílias chinesas aos estudos dos filhos, produzindo o melhor sistema educacional do mundo por critérios da OCDE, é, evidentemente, irreproduzível.
A história de Singapura qualificaria o país para ficar no limite do lixo. O vício do ópio, trazido por trabalhadores chineses durante o colonialismo inglês, ultrapassou vastamente as fronteiras do século 19.
É que inacreditável, mas a foto acima é de 1941. Mostra um antro de ópio, droga já então usada muito além das fileiras dos humildes trabalhadores braçais que a usavam para amenizar as dores musculares do regime quase que de escravidão.
Quando Singapura foi expulsa da Malásia, à qual havia se juntado numa breve e infeliz experiência, entre 1963 e 1965, Lee Kwan Yew, o homem das iniciais, em lugar de celebrar a independência, chorou de tristeza.
A separação foi exigida pelo governo da Malásia, preocupado com os ataques violentos da população original minoritária, etnicamente malaia, contra cingaporeanos chineses, iniciados numa comemoração do dia do aniversário do profeta Maomé. E com os tais comunistas que cresciam entre essa população.
A renda per capita da Malásia hoje é cerca de um décimo da de Singapura.
Devido à origem da população majoritária, Singapura tem muito em comum com Taiwan, ou Formosa, com Hong Kong e com a própria experiência de capitalismo autoritário sob controle do Partido Comunista da China.
Mas aeroportos com floresta ninguém no mundo tem.