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Eleição embolada na Itália: o condenado, o ultra, o ex-garçom

Emigração em massa é o assunto número e rejeição aos políticos convencionais é o número 2 numa campanha que tem candidato viável de extrema-direita

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 jul 2020, 20h33 - Publicado em 21 fev 2018, 14h44

As semelhanças com o Brasil são evidentes, mas não devem ser exageradas. A Itália tem um sistema parlamentarista com partidos múltiplos e a eleição do próximo 4 de março tende, segundo aquelas pesquisas em que ninguém acredita mais, a produzir um resultado embolado.

O desgosto com a política de sempre é tanto que o candidato outsider, Luigi Di Maio, do Movimento Cinco Estrelas, já parece uma cara velha – embora tenha a maior preferência individual, com 28% dos votos.

A cara nova não tem grande novidade, exceto por ter saído do nicho da extrema-direita. É Matteo Salvini, da Liga do Norte.

O partido, criado como uma força política separatista com a plataforma de rachar a Itália do norte da Itália do sul, foi propulsionado pelo choque social e demográfico que a entrada em massa de africanos provocou no país.

Tornou-se um partido de apelo nacional, aliado a Silvio Berlusconi, o condenado de 81 anos que só pode participar do governo com um avatar. O que não o impede de fazer campanha com um tema que sempre foi seu.

Lembrete: Berlusconi foi condenado a três anos de prisão por corrupção, mas o crime já estava prescrito. A condenação que vale é a de sete anos, em serviços comunitários por causa da idade, por pagar para fazer sexo com uma prostituta de 17 anos, conhecida como Ruby Rouba Corações.

Replicado no gestual e do linguajar sem freios por um certo empresário americano com ambições políticas, Berlusconi quer recuperar o território local e o espaço mundial perdido para Donald Trump.

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A última foi dizer que vai expulsar 600 mil africanos. Como? “Usando a polícia, os agentes da lei, o exército; todo mundo pode ajudar dizendo onde eles estão.”

Concordam com a proposta os outros integrantes da frente de direita, a Liga do Norte (que está pensando em tirar o norte do nome) e a Irmãos da Itália, um partido menor com origem no fascismo (a Itália é um dos poucos lugares em que a designação pode ser usada sem a desinformação e os exageros habituais).

A forte rejeição à imigração em massa nem de longe passou despercebida a Luigi Di Maio. O napolitano de 31 anos, que fez bicos como garçom, também é um candidato por procuração, pois o fundador do Cinco Estrela, o comediante Beppe Grillo, condenado por homicídio culposo num acidente de carro, é impedido de participar.

Apesar da facilidade com que assumiu uma posição importante na quase inescrutável política italiano, Di Maio nem de longe tem a retórica dura e pura de Salvini, um torcedor do Milan acostumado a andar cercado por jornalistas que o consideram a encarnação do mal.

Os confrontos verbais mais recentes aconteceram depois de uma sequência de crimes.Uma jovem de apenas 18 anos, Pamela Mastropietro, foi assassinada e esquartejada uma cidadezinha chamada Macerata.

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A mala com com pedaços de corpo dela foi ligada a um traficante nigeriano. Pamela tinha escapado recentemente de um centro de recuperação de drogados.

“O que este verme ainda está fazendo aqui”, tuitou Matteo Salvini. Dias depois, um neonazista saiu atirando a esmo em africanos de Macerata. Fez a saudação fascista ao ser preso. Ele tinha sido candidato a vereador pela Liga do Norte.

Cercado de perguntas de repórteres que queriam estabelecer a conexão entre o “discurso do medo” e o ataque do atirador, Salvini respondeu atirando. “Talvez eu não fale italiano muito bem. Façam leitura labial: não é correto, justo ou humano, é criminoso agredir, espancar, ameaçar ou disparar contra pessoas na rua.

“Ponto, abre parágrafo.Frase número dois: a imigração descontrolada ajuda a paz social ou leva ao conflito social, ponto de interrogação. Frase número três: a imigração descontrolada, além de encher as cadeias, pode desencadear uma resposta violenta, embora nunca justificada.”

“Quero assumir o governo para controlar a imigração.”

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“E para fechar as mesquitas?”, pergunta um repórter.

“E para fechar mesquitas ilegais. Quero saber quem as financia e quem está por trás delas, de onde vem o dinheiro, quem prega e o que prega.”

Ainda durante a campanha presidencial americana, Salvini foi recebido pelo candidato Donald Trump para uma conversa de vinte minutos da qual saiu com o que queria. “Você vai ser primeiro-ministro da Itália”, disse Trump.

Salvini, que já se fantasiou de rei mago para o presépio na escolinha da filha caçula (a comemoração natalina é contestada até na Itália), usava na lapela um broche com a efígie de Alberto da Giussano.

O personagem histórico foi um dos comandantes da Liga Lombarda nas batalhas contra as campanhas de conquista de Frederico Barba Ruiva, do Sacro Império Romano-Germânico.

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Apesar de vitórias gloriosas, Frederico acabou conquistando várias cidades italianas. Milão se rendeu em 1164, mas acabou não só destruída como perdeu as veneradas relíquias dos três reis magos (que de novo entram na história), levados para a Alemanha.

Presumivelmente, Salvini não entrou em detalhes na conversa com Trump sobre as lutas entre guelfos e guibelinos na Itália Medieval.

A Liga Lombarda “inspirou” a Liga do Norte. O partido separatista foi criado em 1984 com o nome de Liga Autonomista Lombarda. Já teve mais rachas quanto partidos de esquerda. Pela primeira vez tem a oportunidade real de ser a cabeça de uma coalizão que levaria Salvini ao governo.

“Os italianos se sentem tão abandonados pelo resto da Europa, tão vitimados – justificadamente ou não – por uma invasão demográfica, que estão se radicalizando”, diz Alexandre del Valle, pseudônimo do franco-italiano Marc d’Anna, comentarista conhecido pelas críticas ao fundamentalismo muçulmano.

“Dentro da direita clássica, vemos hoje um ‘Basta’ que se manifesta em visões radicais, extremistas e conspiracionistas.”

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“A esquerda está se radicalizando no sentido oposto”, de abertura total do país aos estrangeiros, segundo analisa del Valle. “Como disse recentemente o prefeito de Palermo, Leoluca Orlando, ‘as fronteiras são um instrumento de tortura’”.

Organizações a favor da política de fronteiras abertas estão tratando a Itália como “um laboratório para seu projeto de inundação demográfica”, de acordo com um grande plano de “destruição da civilização europeia cristã”, diz ele.

Ideias grandiloquentes e exageradas são comuns em qualquer eleição, períodos em que os problemas das democracias entram em fase de manifestação aguda.

Mas no ambiente social e político atual da Itália, o condenado Berlusconi pode acabar sendo o homem chamado para apagar fogueiras. Se ainda tiver água na mangueira.

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