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O tique-taque do expansionismo

No pós-coronavírus, cai a máscara do projeto hegemônico chinês

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 13h44 - Publicado em 31 jul 2020, 06h00

O que você prefere, a vacina de Oxford ou a da Sinovac? O que o preocupa menos, que seus filhos entreguem todos os seus dados ao Instagram ou ao TikTok? Qual a superpotência hegemônica que faz menos mal ao mundo, os Estados Unidos ou a China? Seis meses atrás, ainda na largada da era pós-coronavírus, essas perguntas talvez nem sequer seriam formuladas. A espetacular ascensão da China vinha sendo absorvida ao longo dos últimos trinta anos e, fora do campo da impossibilidade da competição econômica, tinha muitos aspectos admiráveis para os espectadores comuns do xadrez mundial da geopolítica. Tendo inaugurado a era do novo vírus e saído dela com 4 600 mortos declarados, ou míseros três por milhão de habitantes (413 no Brasil, 454 nos Estados Unidos e 847 na campeã, a Bélgica), a China pôs em prática um dos inúmeros provérbios acumulados ao longo de sua história, ji bu ke shi, shi bu zai lai. A sorte bate à porta apenas uma vez e as oportunidades criadas pela pandemia eram estonteantes. Com a Europa trancada em casa e os EUA espancados pela virulência da doença e pelo baque econômico, o regime chinês aumentou a pressão em várias frentes. Endureceu a mão desde a fronteira disputada com a Índia nas montanhas do Himalaia até o Mar da China Meridional, a esfera de influência onde pratica o expansionismo mais agressivo, com o objetivo de dominar o sinuoso corredor que controla as rotas marítimas do Oceano Pacífico. Com a outra mão, a da diplomacia, até a distribuição de peças de proteção hospitalar — todas Made in China — foi usada para criar uma imagem de benevolência.

“Os chineses puseram em prática um de seus provérbios: a sorte bate à porta apenas uma vez”

Durou pouco. A ocultação deliberada de informações sobre o vírus e a manipulação escandalosa da Organização Mundial da Saúde foram derrubando as máscaras e abrindo os olhos dos incautos. Espremido pela dupla crise que o enfraquece como candidato à reeleição em novembro próximo, Donald Trump também aproveitou o cavalo selado que estava passando a sua frente e restaurou a retórica de alta agressividade da época de sua primeira candidatura. O fato de que Trump, e também seu secretário de Estado, Mike Pompeo (pensando mais à frente, na eleição de 2024), estejam explorando politicamente as malfeitorias chinesas não significa que elas não sejam reais. A extensão da rede de influências comprada com o soft power mais poderoso que existe — dinheiro — está ficando cada vez mais clara, desde as contribuições de campanha a políticos australianos até a penetração nos meios universitários e centros de pesquisas dos EUA e da Grã-Bretanha.

Onde o TikTok entra na história? Exatamente no mesmo pacote. O aplicativo com 2 bilhões de downloads, estando na Índia e no Brasil os maiores adeptos do braço estrangeiro criado pela ByteDance, a startup chinesa monumentalmente bem-sucedida, vendeu 51% do capital a um consórcio de empresas estatais de comunicação. Quem achou divertida a campanha estimulada por fãs da música pop sul-coreana para sabotar o último comício ao vivo de Donald Trump, reservando ingressos fictícios, agora pode duvidar: será que foi tudo mesmo uma iniciativa espontânea? Vale uma vacina chinesa a quem acertar a resposta.

Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698

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