O Brasil tem um histórico trágico em termos de tributos e de política tributária. Basicamente, pagamos impostos demais e recebemos serviços públicos de menos e de qualidade quase sempre questionável. Além disso, temos a mais lenta burocracia tributária do mundo, que nos faz levar inacreditáveis 62 dias do ano apenas para pagar os impostos. Para comparar, o tempo médio gasto com isso nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de apenas 158 horas, ou seja, entre seis e sete dias. Em 2017, um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação identificou que, desde a Constituição de 1988, haviam sido editadas 363 000 normas na área tributária, entre as quais 31 221 são de natureza federal.
Ao longo de 2019, vimos o governo oscilar entre querer e não querer elaborar uma reforma. Tanto pela ausência de um projeto claro e enxuto quanto pelo errático e recorrente debate sobre ressuscitar, ou não, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e sobre criar, ou não, um imposto sobre as transações eletrônicas. Recentemente cogitou-se até a criação do chamado “imposto do pecado”, para sobretaxar as bebidas destiladas, os produtos com adição de açúcar e aqueles que envolvem o tabaco.
Percebendo que o Executivo faz corpo mole quando se trata do assunto, o Congresso avançou na discussão. Temos hoje pelo menos três propostas sendo avaliadas pelos parlamentares e a promessa de ir adiante, de forma concreta, neste semestre. Aguardam-se, ansiosamente, as sugestões do governo, que parece ainda não ter convicção de que uma ampla reforma poderia de fato destravar o ambiente para investimentos no país, mesmo que seja implementada por partes.
“Cogitou-se até a criação do chamado ‘imposto do pecado’, para sobretaxar as bebidas destiladas”
Considerando-se tal conjuntura, o pior que pode acontecer é o Congresso recuar no debate. E deixar que as coisas permaneçam como estão ou resolver o problema de caixa do governo com uma solução pontual, instituindo algo do tipo uma nova CPMF, ou coisa que o valha.
O novo sistema tributário nacional deveria simplificar e limitar o número de impostos existentes, estabelecer um teto de alíquotas, desburocratizar radicalmente o seu funcionamento. Sobretudo, reduzir e simplificar o custo da legalidade. Enfim, a reforma tem de ir muito além da mera redução do número de impostos e da redistribuição de receitas e responsabilidades entre os entes federados.
Ela deve, por exemplo, instituir um Código de Direitos do Contribuinte nas bases do que propôs, décadas atrás, o então senador Jorge Bornhausen e que agora está sendo revivido em projeto formulado pela deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF). Os direitos dos contribuintes, que sustentam a máquina pública, precisam ser fortalecidos. A edição de normas tributárias pode ter limites, a fim de dar previsibilidade e estabilidade ao sistema. E, acima de tudo, a formulação da política tributária deve ficar nas mãos do Congresso. Afinal, num momento de reencontro do Poder Legislativo com as suas prerrogativas, a política tributária deve ter o cidadão como centro de suas preocupações, objetivando alcançar um sistema tributário simples, eficiente e justo.
Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673