
O Brasil, como se sabe, não resolveu diversos problemas de séculos passados. Lidamos ainda, em doses cavalares, com racismo, desigualdade, discriminação de gênero, falta de saneamento e de água potável e educação deficiente, entre muitos outros. As reformas acontecem, mas correm atrás de um passivo imenso que continua a crescer.
Os governos, em que pesem as narrativas de progresso e desenvolvimento social, evoluíram em velocidades diferentes diante de temas que se apresentam desde o século passado. Embora a arrecadação tributária tenha aumentado, os poderes públicos seguem oferecendo péssimo serviço aos cidadãos.
Mais uma vez, deparamos com o ciclo eleitoral. É um momento de reflexão sobre transformações pelas quais o país pode e deve passar. Nesta pré-campanha, além das agendas do passado, novos temas desafiam a sociedade e os candidatos. Mas parece que esses ainda não perceberam a dinâmica dos acontecimentos.
Poucos sabem, por exemplo, o que são blockchain e streaming. Provavelmente têm uma vaga ideia do que ocorre no mundo das criptomoedas. Em consequência, poucos sabem como tais fenômenos estão mudando o mundo e como podem mudar a vida das pessoas e desestruturar mais a política tradicional .
Já em 2018, o mundo político não estava preparado para lidar com as redes sociais e a enxurrada de fake news. Adiante, enquanto o Brasil corria atrás do passado, as tecnologias que mencionei aprofundam o fosso entre o novo, o útil e o arcaico. A pandemia veio para agravar o cenário e acelerar as transformações criadas pelas novas tecnologias.
“O ciclo eleitoral é um momento de reflexão sobre as transformações pelas quais o país pode e deve passar”
Agora, em 2021, o fosso entre o mundo da inovação e o mundo arcaico segue aumentando. E as respostas políticas não tratam do impacto desse novo mundo no cotidiano dos cidadãos. Por exemplo, em meio à crise de escassez de semicondutores, o Brasil quer fechar a única fábrica latino-americana de chips.
Como um suspiro de esperança, o país abriu as portas ao 5G. Mas a maioria dos brasileiros que possui celular vive na era do 3G e, com sorte, na telefonia 4G. O 5G aprofunda a distância entre o novo e o arcaico? Claro que sim, na medida em que a nova tecnologia for efeito de separação e não de inclusão digital.
A política, quando entra no ciclo eleitoral, parece um paciente em estado semicomatoso, com surtos de prolixidade voltados à busca de votos. Só responde proativamente a impulsos violentos gerados por eventos de intensidade midiática e aos interesses eleitorais.
Enquanto isso, parte da sociedade avança e bebe das novas tecnologias que se impõem. O streaming ameaça a mídia tradicional. A criptomoeda já é realidade para milhares. O blockchain traz a validação de atos e decisões sem a chancela do Estado. Os meios de comunicação são superados por plataformas digitais. Apostas on-line driblam os regulamentos nacionais. Os aplicativos de transporte revolucionam a mobilidade urbana. E vem muito mais por aí.
Que reflexão séria a política pré-eleitoral faz sobre esses fenômenos e circunstâncias que citei? A pergunta ficará em aberto. Mas quem ler esta coluna deverá saber a resposta. Não é novidade que a política está muito atrasada diante das necessidades da sociedade.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767