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Vale a pena ler de novo o que saiu nas páginas de VEJA em quase cinco décadas de história

De Columbine a Realengo: o bullying por trás dos massacres

Reportagens de VEJA de 1999 (nos EUA) e 2011 (no Rio) mostravam que o passado dos atiradores na escola servem como motivação aos crimes

Por Da redação
Atualizado em 30 jul 2020, 20h42 - Publicado em 26 out 2017, 14h55

Dezesseis anos antes do crime no colégio Goyases, no conjunto Riviera, em Goiânia (GO), no qual um aluno atacou a tiros sua sala de aula e matou dois colegas de classe, VEJA tratou do assunto bullying, um termo na época tão pouco conhecido que teve de ser explicado naquela edição 1.704, de 13 de junho de 2001.

Com o título Inferno na Escola, a reportagem buscava dar alento a pais que não sabiam como lidar com o problema de filhos perseguidos ou intimidados no colégio: “A falta de entrosamento pode ter diversas origens, por isso é importante o trabalho conjunto entre pais e professores para a identificação e solução do problema.”

E seguia contando que no restante do mundo, a transformação de um aluno em alvo de um colega ou de toda a turma era tratada como mais seriedade que aqui. “Se no Brasil iniciativas como essas parecem isoladas, na Inglaterra e nos EUA o assunto ganha foros de debate nacional. Em inglês, a atitude é conhecida por bullying.”

Com os pensamentos de 16 anos atrás, antes de filmes, séries e discussões aprofundadas colocarem a questão como um problema de extrema gravidade na educação, a reportagem de 2001 colocava como um exagero a associação ao bullying das treze mortes ocorridas na Universidade de Columbine, na cidade americana de Littleton, em 1999.

Tiros em Columbine

A tragédia de Columbine foi destaque originalmente em VEJA na edição 1.595, de 28 de abril de 1999. O texto retratava o terror do massacre e questionava a razão para o ato. Vale a pena ler, pelo menos alguns trechos:

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“Como entender as cinco horas de terror vividas na terça-feira passada dentro da escola de 2º grau Columbine, na pacata cidade de Littleton? Encapuzados e vestidos com casacões pretos, dois rapazes promoveram um banho de sangue, armados com pistola, fuzil automático, espingardas de caça e bombas caseiras. Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17, riam em êxtase enquanto aterrorizavam centenas de colegas sitiados na biblioteca, disparando à queima-roupa e arremessando explosivos. Treze mortos depois, Eric e Dylan se suicidaram. (…)

Quando uma dessas tragédias acontece, nunca há respostas fáceis para as perguntas que evocam. Desajuste social? Os jovens assassinos de Littleton pertenciam à classe média alta, moravam em típicos casarões americanos (a família de Dylan tem sete carros), estudavam numa das melhores escolas do Estado do Colorado, num lugar tranqüilo e saudável, a poucos minutos de Denver, uma cidade grande com tudo o que ela pode oferecer. Drogas? Não usavam. Desestruturação familiar? Eram filhos de casais estáveis (um pai geólogo, outro piloto condecorado da Força Aérea). (…)

Eric e Dylan eram um tanto deslocados, fanáticos pelo satanismo de butique do roqueiro Marilyn Manson, pela chamada estética “gótica” e por videogames ultraviolentos. Às vezes se metiam em brigas e pertenciam a uma turminha cheia de pose, a Máfia do Casaco. Até aí, nada que os diferenciasse muito de tantos outros jovens num período da vida em que desafiar, nutrir fascínio pelo sombrio e deixar seduzir-se pela rebeldia não chegam a ser anomalias. Daí para a frente, tocam os sinais de alarme. Eles idolatravam Adolf Hitler. Em casa, guardavam armas e construíam explosivos de acordo com instruções disponíveis na internet. Deixaram mais de trinta bombas espalhadas pela escola, incluindo uma feita com bujão de gás que, teoricamente, poderia mandar o prédio pelos ares. (…)

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No ambiente ferozmente competitivo das high schools americanas, os alunos são virtualmente forçados a se agrupar de acordo com seu prestígio e seus talentos. No topo do microcosmo estão os atletas, os bons alunos com vaga garantida na universidade e as garotas bonitas. Eric e Dylan não se encaixavam em nenhuma casta e odiavam os atletas, que se divertiam em humilhá-los. Eles poderiam ter-se contentado em aderir a várias outras tribos de párias inofensivos. Preferiram as roupas negras, o visual morto-vivo, a iconografia nazista. Mesmo assim pareciam patéticos e “perdedores” (classificação pejorativa tipicamente americana). Ninguém os levava a sério. Nem imaginava que acumulassem uma carga de ressentimento tão devastadora.”

Ex-perseguido mata em Realengo

A trágica tendência de que ataques como os de Columbine se repetissem no mundo, citada no texto de 1999, chegou infelizmente ao Brasil. No caso mais triste registrado no país, em abril de 2011, um ex-aluno invadiu uma escola no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, e entrou atirando nas salas antes de cometer suicídio. Matou doze crianças.

Capa da revista VEJA
Capa da revista VEJA, edição 2.212, de 13/04/2011 (Arquivo/VEJA)
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A edição 2.212, de 13 de abril de 2011, descreveu a aterrorizante ação que teria sido motivada pelo bullying ocorrido no passado contra o atirador naquele mesmo colégio alvo do massacre. “A faceta monstruosa de Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, começou a revelar-se às 8h11 de quinta-feira, quando ele entrou em uma sala de aula, sorriu e avisou aos estudantes: “Vim dar uma palestra”. Em seguida, abriu a sacola que havia depositado sobre a mesa da professora, sacou um revólver calibre 38 e atirou contra a cabeça de uma aluna e depois de outra – as primeiras duas crianças do total de doze que ele matou. “

A reportagem não hesitou em enfatizar o bullying sofrido por Wellington e seus problemas mentais como motivos para o injustificável crime. “Na escola do bairro de Realengo em que cursou o ensino fundamental e onde cometeu o massacre, a Tasso da Silveira, ele era “o esquisitão da turma”, na descrição de uma ex-colega. Em casa, vivia pendurado na barra da saia da mãe, testemunha de Jeová, e usava camisa e calça sociais mesmo nas poucas festas em que aparecia. Mas os traços mais evidentes de seu desequilíbrio mental surgiram há cerca de dois anos. Wellington, relatam parentes, começou a pesquisar obsessivamente sobre armas e organizações terroristas islâmicas na internet. Passou a usar só roupas pretas e deixou crescer a barba. Um dos colegas da fábrica de embutidos em que ele trabalhou até agosto do ano passado como auxiliar de almoxarifado conta que o atirador costumava rabiscar no papel bonecos que dizia serem homens-bomba. A um primo que prestou depoimento à polícia, chegou a dizer: ‘Vou jogar um avião contra o Cristo Redentor’.”

“Wellington escolheu a dedo o cenário da matança”, conta a reportagem de VEJA. “Mesmo com duas escolas públicas vizinhas à casa para onde ele se mudou depois da morte da mãe adotiva, no bairro de Sepetiba, ele preferiu percorrer 33 quilômetros para transformar em palco da sua carnificina o colégio em que havia estudado – e do qual não guardava boas recordações. Aluno mediano, segundo mostram boletins obtidos por VEJA, ele não tinha amigos e era alvo de piadas e humilhações da classe. Aos 10 anos, foi lançado a uma lixeira pelos colegas. Era apelidado de Sherman, uma referência ao personagem nerd do filme American Pie. ‘A gente o xingava de tudo, zoava até cansar’, diz um ex-colega.”

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As dificuldades pessoais do atirador tiveram, segundo a investigação, influência direta na escolha de quem deveria morrer. “Suspeita-se que ele selecionou suas vítimas pelo sexo. Dez das crianças mortas eram meninas e receberam tiros característicos de execução, na cabeça e no tórax. Um grupo de cinco estudantes disse a VEJA ter ouvido Wellington afirmar em meio ao massacre que não queria matar meninos. Wellington, segundo vizinhos e parentes, nunca teve um envolvimento amoroso com quem quer que fosse.”

Wellington disparou contra vários alunos no primeiro andar da escola e se encaminhava para o piso superior, onde pretendia aumentar os números da tragédia. No caminho, foi atingido no abdôme por um tiro disparado por um sargente, caiu no chão e decidiu se matar, disparando contra a própria cabeça.

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