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Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming

‘Sex and the City’ está de volta, com pouco sexo e muito mea-culpa

'And Just Like That...’ evidencia crise de meia-idade da trama ao se esforçar (sem sucesso) para atender às atuais correções políticas

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 dez 2021, 14h14 - Publicado em 9 dez 2021, 12h33

No longínquo ano de 1998, o Twitter não existia, muito menos o Instagram. Para compartilhar opiniões, as pessoas precisavam se sentar juntas em uma mesa para conversar. E quem quisesse ser visto com uma bela roupa nova, teria que arranjar uma festa ou telefonar (sim, esse ato medieval) para marcar uns bons drinques durante a noite. Com ou sem os excessos das redes sociais, a vida antes e depois desse incontornável advento virtual era, na essência, a mesma: é parte do ser humano querer ser ouvido, visto e, se possível, amado. Sex and the City, lançado pela HBO naquele ano, atendia a todos estes requisitos, e adicionou algo pouco falado até então: é legítimo também o desejo feminino de fornicar por aí, com ou sem compromisso.

Protagonizada por quatro belas mulheres independentes e sem perrengues financeiros – exceto quando exageravam nos gastos com sapatos de grife – Sex and the City foi um marco em uma nova fase da liberação sexual feminina então, quando ser solteira e pegadora aos 30 anos de idade era um disparate. Mas, ao ser observada por lupas modernas, a série que ficou no ar até 2004 vem sendo apontada por todos os dedos possíveis. O quarteto de mulheres brancas de salto alto, Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker), Samantha Jones (Kim Cattrall), Charlotte York (Kristin Davis) e Miranda Hobbes (Cynthia Nixon), deixou, como num passe de mágica, o triunfo do pioneirismo para ser recorte de uma sociedade racista e machista. De fato, negros eram raridade no elenco. Já o sexismo dava as caras quando a liberdade sexual das moças se revelava um meio para preencher o vazio de não se ter o amor digno de um conto de fadas. Até a abertura para gays, na época ovacionado, hoje é visto com tom homofóbico pelo retrato afetado de seus personagens.

Dito isso, o retorno de Sex and the City nesta quinta-feira, 9, batizado de And Just Like That… (algo como, “e assim, do nada”, em português), disponível no HBO Max, veio não só para atender uma demanda de velhos fãs, sedentos por mais deste universo quase fantasioso, como também tenta exorcizar os pecados do passado. O resultado, ao menos nos dois primeiros episódios recém-lançados, é, e que pena, um mea-culpa vergonhoso.

Sem Samantha, a mais libertina das quatro, já que Kim Cattrall não topou participar do revival, o trio, na faixa dos 55 anos, surge bem menos sexual – a primeira decepção do roteiro. Charlotte é a mãe obstinada de duas meninas, que tem na sua imensa (leia-se com ironia) lista de problemas a decepção de comprar vestidos caríssimos de grife e ouvir de uma das rebentas: “eu não gosto de vestidos”. Carrie, que assinava uma coluna sobre relacionamentos em um jornal no passado, agora, busca se atualizar trabalhando em um podcast modernoso conduzido por uma pessoa não-binária (Sara Ramirez). A advogada Miranda deixou o corporativismo para estudar direitos humanos, e protagoniza agonizantes cenas de vergonha alheia tentando se mostrar antirracista para ser aceita pela professora negra, vivida pela ótima Karen Pittman, a melhor adição ao elenco e, infelizmente, sub-aproveitada. Uma nova amiga surge, Lisa (Nicole Ari Parker), uma mulher negra chiquérrima que faz aparições pontuais e, até agora, sem necessidade. Logo, em vez de envolver essas novas personagens negras de forma efetiva na trama, dando a elas camadas extras de profundidade, a série simplesmente as joga no cenário – e dá razão às acusações de racismo.

Um drama acontece na virada do primeiro para o segundo episódio, que afeta esse mundo de frufrus e busca desencontrada por correção política. Após essas quase duas horas iniciais, fica a expectativa para que os oito próximos episódios encontrem o caminho que fez de Sex and the City uma reconhecida, apesar dos pesares, série feminista. Afinal, mulheres (brancas, negras, trans, ou seja qual for o rótulo) erram e acertam, tem desejos variados, podem querer sexo, e também um casamento – e se der para fazer tudo isso em um vestido exagerado, que o façam sem dever explicação a ninguém.

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