O corredor de escape do Exército
Com a impopularidade de Bolsonaro, militares sentem o ônus de ser governo
Em janeiro de 2019, quando os ministros de Bolsonaro ainda desencaixavam suas mudanças para Brasília, o vice-presidente general Hamilton Mourão divagou sobre uma possível deposição do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Ao jornalista Roberto D´Ávila, da Globonews, Mourão disse que era necessário permitir um “corredor de escape para o Maduro e seu pessoal deixarem a Venezuela”.
“Eu até citei outro dia que na batalha de Lomas Valentinas (em 1868, na Guerra do Paraguai) (o líder das tropas da Tríplice Aliança, o então marques de) Caxias deixou um lugar para o (presidente paraguaio) Solano López escapar. Então nós temos que deixar um lugar para o Maduro e sua turma escaparem e o país se reconstruir a partir daí”, afirmou Mourão.
Mourão sabia do que falava. Nove semanas depois da entrevista, o líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, tentou derrubar Nicolás Maduro acreditando ter apoio de parte dos generais. Não tinha. O presidente Jair Bolsonaro, o vice Mourão, os ministros do GSI, Defesa e Relações Exteriores, além dos comandantes do Exército, Aeronáutica e Marinha sabiam com antecedência da tentativa de golpe na Venezuela e, embora torcessem pelo sucesso de Guaidó, não autorizaram o uso do território brasileiro para operações militares contra o governo Maduro.
Mais de dois anos depois, Maduro continua no poder e quem precisa de um corredor de escape é o Exército brasileiro. Liderados pelos generais Luiz Ramos e Braga Neto, o Exército ocupou metade dos ministérios e entrelaçou seu destino ao de Bolsonaro de maneira que não se sabe mais onde começa um e termina outro. Colheram o bônus de mais de 6 mil cargos em comissão, o controle da Petrobras e dos Correios e uma reforma de pensões que aumentou os ganhos, ao invés de reduzi-los como aconteceu com os civis. Com a negligência que matou mais de 543 mil e a corrupção que atrasou a encomenda de vacinas que poderia ter salvado milhares de vidas, os militares agora enxergam o ônus de ser governo.
A popularidade de Bolsonaro está em seu pior momento e as condições materiais para uma melhora (novo Bolsa Família, efeitos econômicos do ciclo de commodities, geração de empregos com a retoma) só devem aparecer em 2022. Em termos frios, hoje é mais provável que Bolsonaro perca do que vença a eleição, causando um rombo no plano dos generais Ramos e Braga Neto de criar uma segunda versão do Regime Militar, agora eleito. Se Bolsonaro perder em outubro de 2022, restam duas alternativas às Forças Armadas: embarcar com o presidente em uma quartelada para impedir a posse do vencedor das eleições, com os riscos decorrentes de o golpe fracassar, ou encontrar um corredor de escape.
Esse corredor está aberto hoje. Os ex-ministro da Defesa Nelson Jobim (a pedido de Lula) e Raul Jungmann (em nome da tal Terceira Via) estão procurando generais, almirantes e brigadeiros da ativa e da reserva para ensaiar uma transição pacífica para os quarteis no caso de derrota de Bolsonaro. A transição imaginada pelos ex-ministros da Defesa seria como uma operação militar de desocupação, com os oficiais retornando à caserna como se o governo Bolsonaro houvesse sido uma missão, como foi a ação brasileira no Haiti ou as dezenas de operações de Garantia da Lei e da Ordem. As Forças Armadas podem negociar essa retirada na pré-campanha, ainda com poder efetivo sobre a máquina federal, ou depois de uma possível derrota bolsonarista, quando os ânimos naturalmente estarão mais exaltados.