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Walcyr Carrasco

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Viciado no celular

O difícil exercício de usar menos essa droga moderna

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 Maio 2021, 11h38 - Publicado em 28 Maio 2021, 06h00

Um dia percebi que não conseguia ficar sem celular. Um caos. Se estava lendo, dava uma pausa a cada página. Só para dar uma geral no WhatsApp, no Instagram e em todo aplicativo de mensagens existente. Parece impossível. Mas eu li toda obra de Dostoievski conferindo o celular. Se estava escrevendo, de instante em instante ia olhar a telinha. Celular vicia. Tem os efeitos semelhantes aos de uma droga. A abstinência provoca ansiedade. O som de uma chamada descarrega adrenalina. Descobri que era grave em viagens de avião — que, até um tempo relativamente recente, não tinham internet. Espertas, as companhias aéreas agora vendem pacotes. Se estou nas nuvens, ainda posso disparar um “oi, tudo bem” no direct. É um vício tremendo.

Não só meu. Entro em um restaurante e, na maioria absoluta das mesas, vejo gente no celular. Mesmo de frente uma para a outra. Às vezes até teclando entre si e rindo. Enviando emojis que seriam divertidos se não tivessem se tornado banais. Simplesmente, as pessoas não vivem sem seu aparelhinho! Estão conectadas o tempo todo. Pior. Quem envia mensagem quer resposta e pronto! Mais ou menos como se eu estivesse na minha casa, alguém entrasse pela porta e exigisse toda atenção. Sem ser convidado. A atitude de quem envia zaps é exatamente igual. Se não respondo imediatamente, vem uma pergunta do tipo: “está tudo bem? “; “aconteceu alguma coisa” ; “algum problema?”. Ei, ei! Quando quero cuidar das minhas coisas é por que estou com problema? Um dia eu descobri que ficara seis horas só trocando mensagens sobre a vida, a saúde etc. Seis horas de papos superficiais!

“E você, quanto tempo gasta por dia? Pense nisso. Ou prefere se tornar escravo do aparelho?”

Existe coisa mais difícil que parar uma conversa no celular? Eu digo que tenho de parar. Vem uma resposta com gancho para outra resposta, de minha parte. Tipo: “mas está tudo bem?”. Pior é quando mandam mensagem de voz. Odeio, porque demora para ouvir. Quando eu digo “não ouço mensagem de voz”, vem a resposta: “quando você puder, você ouve”. Há quem mande fotos, vídeos que eu nunca pedi. Jamais vou escolher alguém para um elenco porque mandou um vídeo no Instagram. Tudo também ganha um caráter de urgência. Querem respostas imediatas, críticas, opiniões! Socorro!

Há semanas, tive uma dor horrível no braço direito. Procurei um profissional. “Você fica muito no celular?” — ele perguntou. “Sim!” Resultado: era o início de uma tendinite. Causada pelo esforço repetitivo. Há um código de etiqueta do celular que ninguém segue. Como não se ofender, se a pessoa diz que está ocupada. Ou não invadir o celular alheio com mensagens de vaquinhas, correntes, pedidos de ajuda. Recebo centenas e mais centenas!

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Decidi dar um tempo com o celular desligado, diariamente. Comecei com duas horas. Já estou indo para três. Sofri uma onda de revolta de amigos insistindo: “por que não responde?”. Continuei radical. Se gostam de mim, têm de perceber que não estou sempre à disposição.

E você, quanto tempo gasta por dia? Pense nisso. Ou prefere se tornar escravo do celular?

PS — Enquanto escrevia este texto, conferi dezoito vezes o celular. ƒ

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