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A democracia impressa: como VEJA enfrentou a tesoura dos censores na ditadura

Trata-se de um belo capítulo da imprensa como ferramenta de proteção aos direitos humanos e à justiça — em movimento que nunca parou

Por Redação Atualizado em 27 jun 2025, 10h34 - Publicado em 27 jun 2025, 06h00

Não há democracia sem liberdade de expressão. Nesse quesito, VEJA nunca deixou de estar a favor do Brasil, na defesa intransigente dos direitos humanos. Um modo de entender a relevância e a postura da revista ao longo de seus quase 57 anos de história é iluminar um período terrível, o tempo em que suas páginas foram submetidas à censura — e o modo pelo qual foi possível driblar ou denunciar a mão pesada da ditadura. O embate entre a razão e a obtusidade começou na edição de capa de 18 de dezembro de 1968 — exatos cinco dias depois da promulgação do Ato Institucional nº 5, a ferramenta jurídica com a qual os generais deram início, numa sexta-feira 13, a um longo período de escuridão na vida do país. A foto é hoje conhecidíssima, marco de um tempo pétreo: o presidente Artur da Costa e Silva sentado no Congresso vazio, próximo a um quepe branco de almirante de esquadra. O retrato tinha sido feito havia algum tempo, mas caberia à perfeição para sublinhar aqueles dias de início do horror. Mal chegara às bancas, a edição daquela semana começou a ser recolhida e, em algumas cidades, foi queimada e triturada.

A partir daquele momento, a tesoura dos censores se tornaria cada vez mais afiada. Houve intervenção desde aquele amargo dezembro até junho de 1976. Nesse período, outro número foi apreendido, em dezembro de 1971, cuja reportagem principal era sobre a queda do governador Haroldo Leon Peres, do Paraná, acusado de corrupção. Por ter publicado, em fevereiro de 1974, um registro da indicação ao Nobel da Paz de dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife e inimigo dos generais, VEJA seria incluída no rol de publicações com censura prévia. Um censor foi incumbido de ler tudo, de ponta a ponta, antes de a revista ser enviada para a gráfica. Naquela fase, foram vetadas 10 352 linhas de texto, 44 fotos e vinte ilustrações. Quando um texto era cortado de última hora, a redação colocava no lugar ilustrações de anjos e diabos. Incomodados, os militares determinaram que as figuras fossem substituídas pela árvore-símbolo da Editora Abril.

TRUCULÊNCIA - Costa e Silva, no Congresso: capa a respeito da promulgação do AI-5 foi recolhida
TRUCULÊNCIA – Costa e Silva, no Congresso: capa a respeito da promulgação do AI-5 foi recolhida (./.)

Houve proibição, com o insidioso carimbo “vetado”, à notícia do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, dentro das instalações do DOI-Codi, em São Paulo. Em 1976, os censores designados a ler o que se escrevia também barraram o anúncio da morte da estilista Zuzu Angel, cujo filho fora morto nos porões — em crime depois eternizado por uma linda canção de Chico Buarque. Desatentos, eles não perceberam que a notícia foi apagada da edição final, sim, mas ali ficou o título pequeno e forte: “Memória — Zuzu Angel (1921-1976)”.

Pequenos subterfúgios como esse faziam VEJA mostrar ao leitor, por pílulas que fossem, a sombra que nos bastidores cismava de inventar com truculência uma realidade, no avesso do país ferido. Os jornalistas reagiam com sagacidade e ironia. Depois de uma reportagem sobre o Chile, em 1976, que atravessa o tempo de Augusto Pinochet, foram publicadas cartas em uma coluna sob o título “Circunstâncias”. Assinadas por profissionais da equipe, despontavam obviedades e lugares-comuns, com o propósito de chamar a atenção dos leitores. Um exemplo, ou dois: “Sr. Diretor: Como leitor assíduo de sua prestigiosa revista, sinto-me compelido a observar que o Chile tem uma população composta de homens, mulheres e crianças, dado omitido na reportagem do número 286”; “Sr. Diretor: A respeito da reportagem ‘O longo drama chileno’, gostaria de observar o seguinte: o Chile é um país comprido”.

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A Polícia Federal piscou e proibiu, a partir dali, que a revista “desse aspecto de matéria censurada” ao que não passasse por seu crivo. A troca tinha de ser feita por outros textos, não por brincadeiras, árvores da logomarca ou diabinhos impressos. A refrega desigual prosseguiu, com duras reuniões convocadas em Brasília, até que numa quinta-feira, 3 de junho de 1976, o telefone tocou numa das salas da diretoria da Abril: um certo “coronel Felix” informou que já não era preciso mandar a revista para a casa do censor. Era o fim da escuridão, e lem­brá-la é uma maneira de iluminar a força de VEJA na defesa da ordem democrática, dos direitos humanos, da justiça. É tom que nunca foi deixado de lado. Nas palavras do publisher Fábio Carvalho, ao assumir o controle da Abril, em 2018: “Uma imprensa livre é fundamental, necessária e condicional para uma sociedade mais justa”.

Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição especial nº 2950

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