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A era da ignorância

Não bastasse a influência de notícias falsas nas eleições de 2018, o país foi tomado em 2019 por um ataque sem trégua à ciência, à cultura e ao humanismo

Por Edoardo Ghirotto Atualizado em 4 jun 2024, 14h44 - Publicado em 27 dez 2019, 06h00

A cruzada contra a verdade nunca foi tão forte no Brasil. Não bastasse a influência de notícias falsas nas eleições de 2018, o país foi tomado em 2019 pela popularização de ideias sem nenhum amparo nos fatos, em um ataque sem trégua à ciência, à cultura, à democracia, à tolerância e ao humanismo — boa parte disso por meio das redes sociais, o paraíso dos movimentos que se orientam pelas trevas. Autoridades do governo Bolsonaro e anônimos fizeram desde odes à ditadura até defesas veementes da tese de que o aquecimento global é apenas uma conspiração marxista. Mais graves ainda que as declarações estapafúrdias foram os atos de censura. No caso mais emblemático, em setembro, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), mandou recolher da Bienal do Livro exemplares da novela gráfica Vingadores: a Cruzada das Crianças, em que dois super-heróis trocam um beijo. Sua aspiração totalitária, embasada por uma suposta proteção às crianças, foi derrubada pela Justiça, mas nem sempre o sistema de freios e contrapesos conseguiu conter a onda de ignorância. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, citaram a possibilidade de um novo Ato Institucional Nº 5 (AI-5), o decreto que ampliou a repressão na ditadura. O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) espalhou sandices pela internet ao longo de todo o ano, de fake news a afirmações totalitárias, como a de que, “por vias democráticas, a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”. E o que dizer de Olavo de Carvalho? Encastelado em sua casa, no Estado americano da Virgínia, o polêmico escritor abastece seus seguidores com teorias esdrúxulas, entre as quais a de que o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969) teria escrito as músicas dos Beatles. Absurdos como esse, no entanto, não o impediram de povoar o governo com seus discípulos — o último foi o presidente da Funarte, o maestro Dante Mantovani, para quem o rock “ativa a indústria do aborto” e os Beatles surgiram para implantar o comunismo. Também são devotos de Olavo vários membros das “milícias virtuais” que ajudaram a derrubar ministros e atuaram na internet para assassinar reputações com a anuência do Palácio do Planalto. Há entre eles disseminadores de mentiras, como o blogueiro Allan dos Santos, e fundamentalistas, como o youtuber Bernardo Küster. Ao discursar durante fórum conservador em São Paulo, em outubro, Küster disse que “muitas vezes o ódio tem uma força pacificadora”. Semanas depois desse evento, realizou-se na cidade a primeira convenção terraplanista do país, que atraiu cerca de 500 pessoas. Tempos sombrios.

Publicado em VEJA de 1º de janeiro de 2020, edição nº 2667

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