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‘A lama soterrou não só o rio, mas a esperança de uma comunidade inteira’

O pescador Benilde Madeira revela a luta pela sobrevivência nos dez anos do rompimento da barragem de Mariana (MG)

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 29 mar 2025, 08h00

A pesca sempre foi mais que um trabalho: era meu sustento, meu prazer, minha tradição. Meu pai pescava, meu avô também. Meus filhos e netos cresceram na beira do rio, aprendendo a respeitar a natureza e a tirar dela o que nos alimentava. A vida era simples, mas cheia de sentido na nossa terra, onde o Rio Manhuaçu encontra o Rio Doce.

Mas tudo começou a mudar ainda em 2005, quando fomos atingidos pela construção de uma usina hidrelétrica que alterou completamente o curso das águas. Tivemos que adaptar nossas embarcações, trocar pontos de pesca, ver nossas casas deixarem de ter o rio nos fundos. Mesmo assim, com o tempo, fomos nos reerguendo. Os peixes voltaram, a vegetação foi se refazendo. Havia esperança de que as coisas voltariam a ser como antes.

Até que, em 2015, veio o golpe final: com o rompimento da barragem do Fundão, mantida pela mineradora Samarco em Mariana (MG), a lama invadiu nosso rio. E ela levou tudo o que restava daquela vida. Me lembro do pânico nos primeiros dias, das notícias contraditórias, dos avisos para não entrar na água. Vi os peixes agonizando, o rio morrendo, e chorei. A lama soterrou não só o rio, mas a esperança de uma comunidade inteira.

Não perdi minha casa, mas perdi tudo o que fazia dela um lugar para viver. A pesca deixou de existir. O lazer acabou. Vi vizinhos e colegas afundarem na bebida, nas drogas, na depressão. Famílias foram desfeitas. O impacto foi econômico, sim, mas também mental, social e espiritual. Com o passar do tempo, ficou claro que a reparação seria outro campo de batalha. Vi muitos companheiros serem ignorados por falta de um documento, uma carteirinha vencida, um papel que o próprio governo deixou de fornecer.

Como presidente da associação de pescadores da comunidade de Barra do Manhuaçu, em Aimorés (MG), comecei a cobrar, a participar de audiências e a lutar por justiça. Foi quando me juntei à FredaRio, a Frente em Defesa dos Atingidos pelo Rio Doce, na qual encontrei apoio, escuta e força coletiva para seguir. Depois de cinco anos de batalhas, muita gente só conseguiu ser indenizada com o Sistema Novel (solução de indenização simplificada instituída pela Justiça em 2020). Foi o caso de parte de nossa comunidade. Mas nem todo mundo foi contemplado. Teve pescador com todos os documentos em mãos a quem o benefício foi negado. Teve quem ficou sem nada.

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No meu caso, recebi as indenizações referentes a 71 meses de lucros cessantes. Quando assinei esse acordo, cortaram o auxílio financeiro emergencial que eu vinha recebendo. Depois, uma decisão da Justiça reconheceu que esse auxílio não tinha caráter indenizatório e que não podia ser suspenso. O pagamento foi retomado e recebi inclusive os meses que ficaram pendentes. É o que continuo recebendo todo mês. E dizem que só vai até 2026. Ainda falam que a gente vai poder adiantar as parcelas, mas até agora isso não saiu do papel.

Em novembro, o rompimento da barragem do Fundão completará dez anos. Só que sigo sem esperança de um recomeço. Estou com 58 anos. Costumo dizer que a idade mais valiosa é a que vai dos 40 aos 60. É quando a gente tem força, experiência e juízo. É quando a gente faz pelos filhos, pelos netos… Essa fase foi tirada de nós. O que sobrou foi um salário e meio, que mal dá pra manter a casa com minha esposa, dois filhos e dois netos.

Comer, a gente come. Mas construir um futuro? Isso ninguém mais promete. A pergunta que fica é: e depois de mim? Quem vai lutar pelo rio quando eu não estiver mais aqui? A lama passou, mas o estrago continua. E a justiça… Essa ainda não chegou.

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Benilde Madeira em depoimento a Ligia Moraes

Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937

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