Em fevereiro de 2014, o empresário Orlando Diniz, então presidente da Fecomércio no Rio de Janeiro, travava uma guerra nos tribunais para se manter em seu cargo quando recebeu um e-mail com o assunto “urgente” de um de seus advogados, Cristiano Zanin, sócio de Roberto Teixeira, compadre do ex-presidente Lula. Na mensagem, Zanin pedia autorização para contratar um reforço em Brasília. “Preciso da sua aprovação urgente, para operacionalizar o necessário”, escreveu. A pressa envolvia os serviços de um advogado de 29 anos de idade, sem tanta experiência no Judiciário, com um currículo sem grandes feitos, mas uma tabela de honorários de impressionar. Para pegar a causa, o rapaz cobrava nada menos que 3 milhões de reais à vista e o pagamento de mais 3 milhões de reais caso tivesse êxito num processo que tramitava no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Os valores abaixo são líquidos”, ainda ressaltou Zanin na mensagem.
Sem pestanejar, de acordo com seu relato, Diniz topou assinar o cheque porque sabia que o reforço era Eduardo Martins, filho do ministro Humberto Martins, atual presidente do STJ. Foi o começo de uma relação que acabou rendendo cerca de 40 milhões de reais ao jovem advogado brasiliense. Segundo o Ministério Público Federal, essa bolada é parte de um esquema que desviou 151 milhões de reais do caixa da Fecomércio para influenciar decisões judiciais, acusação que ainda precisa ser comprovada. A revelação foi feita pelo próprio Diniz em um acordo de delação premiada. Na quarta-feira 9, tanto Zanin como Martins foram alvo de uma operação de busca e apreensão — e se tornaram réus junto com outros advogados acusados de tráfico de influência, exploração de prestígio, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
Em Brasília, profissionais com o perfil semelhante ao de Eduardo Martins, ou até mesmo com uma trajetória mais longa, costumam cobrar entre 150 000 e 300 000 reais em honorários para atuar numa causa importante nos tribunais superiores. As tabelas de advogados mais renomados, alguns com livros publicados, ficam entre 500 000 e 1 milhão de reais. Um parecer de um jurista medalhão custa em torno 600 000 reais. O que justificaria, então, pagar dezenas de milhões de reais a um inexperiente operador do direito, um desconhecido do ramo? “Esse é um fenômeno muito comum não só em Brasília mas também em diversos tribunais estaduais, onde há advogados, sem uma carreira consistente, muitas vezes sem experiência, que, de uma hora para outra, fazem fortuna”, diz Gilson Dipp, ex-ministro do STJ e ex-corregedor nacional de Justiça.
Não é difícil entender como esse fenômeno ocorre. Em geral, o mecanismo é elementar. Empresas, entidades ou pessoas encrencadas na Justiça costumam montar duas estratégias paralelas de defesa. A primeira, técnica, normalmente é conduzida por escritórios conhecidos e advogados renomados. A segunda age bem distante dos autos do processo, lança mão de amizades, acesso privilegiado a autoridades e relações pessoais nem sempre legítimas. É para esse tipo de trabalho que são contratados advogados a peso de ouro, muitas vezes apenas pelo sobrenome que carregam. A expectativa é que eles usem essas relações para conseguir resultados favoráveis. Juristas importantes consultados por VEJA contam que situações assim são comuns. “Existem advogados que atuam apenas como lobistas”, diz um dos mais renomados criminalistas do país. “O problema é que, em alguns casos, esse lobby também cruza a fronteira do crime”, acrescenta.
Evidentemente, isso não significa que todos os advogados que carregam sobrenomes de peso não tenham luz própria e não prestem serviços relevantes à sua clientela. Ou que qualquer trabalho advocatício em Brasília tenha esse componente nefasto. Mas a questão precisa, de fato, ser combatida. No fim do ano passado, a ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia Maria do Socorro Barreto foi presa sob a acusação de envolvimento em um esquema de venda de sentenças. Uma das filhas da juíza, Luciana Santiago, contratou um advogado renomado, com ampla experiência, para tentar revogar a prisão da mãe no STJ. Não deu certo. O pedido foi recusado. A filha então optou por outra estratégia. Em uma mensagem de WhatsApp enviada a um amigo advogado, ela concluiu que, para soltar a juíza, era preciso “ter alguém com influência política”. Por quê? “Pq esse processo infelizmente não é só direito”, escreveu ela. Para o bem do país, precisa ser só direito.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704