A marca da maldade: o julgamento de Flordelis
Na sentença, a juíza Nearis Carvalho Arce afirmou que a pastora havia traçado o passo a passo de uma execução movida por vingança
Por duas décadas, a agora ex-deputada federal Flordelis, pastora evangélica e cantora gospel, cultivou a imagem de viver um casamento de profunda harmonia ao lado de Anderson do Carmo, também pastor. O amor seria tamanho que se estenderia a uma vastíssima família de 55 filhos — entre legítimos, adotados e “afetivos”, como diziam. Pois se ainda restava dúvida de que tudo não passava de pura fachada, ela se dissipou depois do gélido e planejado assassinato do marido, em junho de 2019. O Tribunal do Júri de Niterói, no Rio de Janeiro, entendeu que Flordelis era “a chefe da quadrilha” e a condenou a cinquenta anos e 28 dias de prisão por homicídio triplamente qualificado, associação criminosa armada (pelo envolvimento de alguns dos filhos no enredo), uso de documento falso e ainda uma tentativa anterior de homicídio, à qual Anderson conseguiu sobreviver, apesar dos macabros ardis da esposa. Na sentença, a juíza Nearis Carvalho Arce afirmou que a pastora havia traçado o passo a passo da execução movida por vingança, uma vez que não suportava a maneira como Anderson lidava com o caixa da igreja. Ele mantinha um rígido controle sobre a dinheirama paroquial que irrigava o lar do casal, não permitindo que fossem agraciados com privilégios os integrantes do clã por quem ela nutria preferência. O julgamento, ao qual Flordelis compareceu visivelmente abatida e de cabelos curtos, sem o costumeiro aplique de longas madeixas, durou uma semana e foi marcado por troca de acusações e pela presença de seu namorado, que se pôs em prantos quando ouviu a sentença. A própria deputada cassada chorou em diversos momentos e pediu para ficar em uma sala separada na hora em que a decisão do júri foi anunciada. Na plateia, uma família claramente rachada tinha reações variadas. Filha biológica e fiel escudeira da líder religiosa, Simone dos Santos, que chegou a namorar Anderson antes da mãe, foi condenada a 31 anos de cadeia. Outros três réus — dois filhos afetivos e uma neta — acabaram inocentados. Mas quatro deles já haviam sido condenados em julgamentos anteriores — um deles por ter dado os trinta disparos fatais contra Anderson, cujos parentes pediram 800 000 reais em indenização a Flordelis. A defesa dela, por sua vez, avisou que vai requerer a anulação da sentença por “falhas processuais”. A pastora que tentou se passar por viúva enlutada segue no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste carioca.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821