O novo negócio de Jair Bolsonaro: uma empresa com fé no grafeno
Ex-presidente é um dos sócios de uma nova companhia criada para pesquisar, explorar e vender produtos feitos à base do material, como armas e coletes
Em abril, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) esteve na Universidade de Caxias do Sul. Não foi uma incursão exclusivamente política. Lá, ele visitou a sede da empresa UCSGraphene, que construiu a primeira planta de produção de grafeno da América Latina. Ali, inspecionou as instalações e conheceu os processos de fabricação. No final, o filho do ex-presidente foi convidado pelo reitor para participar de um evento no fim do ano que vai discutir, entre outras coisas, as propriedades e aplicações do material obtido a partir do grafite, que promete revolucionar determinados setores da indústria. “O convite está aceito, sou o maior entusiasta, faço questão de ser um padrinho dessa pauta”, respondeu o senador.
Não foram palavras meramente protocolares. Dois meses depois, Flávio criou a Bravo, empresa que se propõe a pesquisar, explorar e vender produtos à base de grafeno. Além do senador, figuram como sócios do empreendimento Jair Bolsonaro, um assessor de gabinete do parlamentar e dois empresários — um de Brasília e outro do Rio Grande do Sul. A firma tem sede num coworking a 25 quilômetros do centro de Brasília, um capital social de apenas 100 000 reais e pretende comercializar capacetes, acessórios para motocicletas e armas feitas com grafeno. O material é trezentas vezes mais forte do que o aço, mais duro do que o diamante e também resistente, leve e flexível. Por isso, pesquisadores preveem que, em breve, será usado como matéria-prima pela indústria aeronáutica, bélica e na fabricação, por exemplo, de baterias e automóveis. Bolsonaro, enquanto presidente, incentivou pesquisas sobre o uso do grafeno, que ele definiu como o “ouro do futuro”.
Pouco se sabe, porém, sobre o novo empreendimento do ex-presidente e do filho, além do fato de a Bravo já ter encaminhado uma parceria com a UCS Graphene, a empresa da Universidade de Caxias do Sul. O reitor Gelson Rech confirma que as tratativas estão avançadas, mas ressalta que não pode revelar detalhes. “Temos um acordo em andamento, um contrato privado, que não podemos divulgar, não só por segredo industrial, mas por respeito às regras dos negócios”, justifica. Em linhas gerais, ele explica como funciona esse tipo de parceria. “Não produzimos equipamentos, mas fazemos o grafeno e desenvolvemos a pesquisa de aplicação. Se a empresa quiser usar o material numa peça automotiva, por exemplo, fazemos a análise da composição adequada, do índice e da quantidade de material necessário”, diz o reitor.
Procurado por VEJA, Jair Bolsonaro não respondeu aos questionamentos. O mesmo ocorreu com o Zero Um e os demais parceiros deles no negócio. Nos registros de criação da Bravo Grafeno consta como sócio administrador o empresário brasiliense Pedro Luiz Dias Leite, ex-proprietário de uma agência de automóveis que encerrou as atividades há seis anos. Ex-candidato a deputado distrital, hoje figura como dono de duas companhias da área de tecnologia da informação. O outro empresário, Maichel Chisté, se apresenta como um profissional experiente em gestão e processos de produção. Em sua ficha há uma acusação de disparo de arma de fogo. Em 2014, ele foi denunciado pelo MP por praticar tiro em sua propriedade no interior do Rio Grande do Sul. Não foi condenado, mas teve o revólver apreendido pela polícia.
O quinto e último sócio da Bravo Grafeno é funcionário do gabinete do senador Flávio Bolsonaro. Fernando Nascimento Pessoa é um antigo assessor da família. Em 2009, ele assumiu a função de secretário parlamentar do então deputado Jair Bolsonaro na Câmara. Cinco anos depois, foi nomeado para a mesma função no gabinete do então recém-eleito deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Uma de suas tarefas era cuidar das redes sociais do parlamentar. O servidor chegou a ser investigado pelo Ministério Público. A exemplo de outros empregados do gabinete do filho mais velho do ex-presidente, na época ele costumava sacar seu salário na boca do caixa. Para os procuradores do MP, esse procedimento incomum tinha o objetivo de ocultar que parte dos vencimentos era devolvida ao parlamentar, a célebre rachadinha. Desde 2019 encontra-se lotado no gabinete do hoje senador. Procurado por VEJA, também não quis conceder entrevistas. Como se vê, além da fé no grafeno, o maior ponto em comum entre os sócios da Bravo consiste em levar ao pé da letra o provérbio de que o segredo é a alma do negócio.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904