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Ação contra Glenn Greenwald é ataque à liberdade de imprensa

Uma denúncia frágil do Ministério Público Federal de Brasília tenta constranger o jornalista americano que revelou os exageros da Lava-Jato

Por Roberta Paduan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h03 - Publicado em 24 jan 2020, 06h00

O americano Glenn Greenwald, de 52 anos, virou uma celebridade jornalística internacional em 2013. Com base em documentos ultrassecretos vaza­dos pelo ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional (NSA) Edward Snowden, ele revelou que os Estados Unidos espionavam governos de diversos países, incluindo aliados. As reportagens lhe renderam em 2014 o Pulitzer, o prêmio mais importante da imprensa mundial. Greenwald vive desde 2005 no Brasil, onde se casou com David Miranda, deputado federal pelo PSOL, e fundou aqui o The Intercept Brasil, versão nacional do site de notícias que lançou nos Estados Unidos. No ano passado, o veículo provocou um forte abalo na imagem do ex-­juiz Sergio Moro e da Lava-Jato com uma série de reportagens baseadas em diálogos repassados ao jornalista por um grupo de hackers. O material analisado e publicado em conjunto por VEJA e outros veículos demonstrou que Moro instruía os procuradores, mandava acelerar ou retardar operações e fazia pressão para que algumas delações não andassem, desequilibrando a balança da Justiça.

Na última terça, 21, em um evidente abuso de autoridade, o Ministério Público Federal de Brasília denunciou o jornalista no caso dos vazamentos da Lava-Jato. Com base em uma inter­pretação forçada de diálogos entre Green­wald e um dos hackers, o procurador Wellington Divino de Oliveira tenta sustentar que o jornalista foi cúmplice do crime, acusando-o de deli­tos como formação de quadrilha. Na verdade, nas conversas com esse e outros hackers, o jornalista comportou-se de forma ética e profissional. Ele chega a afirmar que não pode aconselhar a fonte e promete tomar os devidos cuidados para manter o nome dela em sigilo (promessa cumprida pelo jornalista). A denúncia contra Greenwald provocou ainda mais indignação e surpresa pelo fato de que ele nem sequer foi investigado no caso. No inquérito sobre os hackers, a Polícia Federal (que, por sinal, é subordinada a Moro) concluiu que o americano não cometeu nenhum crime. Na verdade, ele fez apenas jornalismo: recebeu o material e publicou as reportagens depois de checar sua veracidade. Fez isso sem pagar pelas informações nem receber dinhei­ro de alguém com interesse em publicá-­las. Na tentativa de incriminar o jornalista, o procurador do MPF atropelou também uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que proibiu que Green­wald fosse investigado “pela receptação, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia”, com o objetivo de proteger o sigilo da fonte jornalística, garantido pela Constituição.

A repercussão da denúncia contra Greenwald foi imediata. O presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM), afirmou que se trata de uma ameaça à liberdade de imprensa e foi seguido pela Ordem dos Advogados do Brasil, por associações de jornalistas e empresas de mídia. O New York Times tratou do assunto na quarta 22. “Atacar os portadores dessa mensagem é um desserviço sério e uma ameaça perigosa ao Estado de direito”, registrou o jornal americano em seu editorial. Goste-se ou não do trabalho e do posicionamento político de Green­wald (o jornalista aderiu equivocadamente à tese de que o impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe de Estado), não há como concordar com o embaraço imposto a ele pelo procurador Oliveira. Se o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, aceitar a tese do Ministério Público, Greenwald virará réu e poderá ser condenado (hipótese improvável, pois ele teria direito a recorrer até ao STF, onde os membros da Corte já se manifestaram a seu favor). A defesa aposta que a denúncia será rejeitada por Leite. Trata-se de uma expectativa não restrita aos advogados de Greenwald. A tentativa de constrangê-lo é uma afronta a toda a sociedade, que depende da imprensa livre para ter acesso a verdades que muitas vezes os poderosos, de qualquer linha ideológica, preferem esconder.

Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671

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