Eleito com a promessa de “cuidar das pessoas”, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), anda precisando muito dar um trato na própria imagem. À frente de uma gestão altamente impopular, Crivella agora está envolvido em investigação do Ministério Público fluminense sobre a existência de um “Q.G. da propina” dentro da prefeitura. A revelação de mais um rolo na sua avantajada lista, em que constam dois pedidos de impeachment, ruas abandonadas, caos nos hospitais e obras paralisadas, cola no bispo licenciado da Igreja Universal o pecado da corrupção que ele sempre disse abominar e acontece justamente quando Crivella prepara o terreno para tentar a reeleição no ano que vem.
A apuração do MP gira em torno de um suposto esquema de suborno para beneficiar empresas interessadas na liberação de pagamentos atrasados. A troca de favores apareceu na delação premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, preso pela Lava-Jato do Rio em 2018. Segundo ele, o operador do “negócio” na administração carioca seria o empresário Rafael Alves, homem de confiança de Crivella desde a campanha eleitoral de 2016, quando atuou como captador de doações. O irmão dele, Marcelo Alves, foi nomeado pelo prefeito para a presidência da Riotur. Os procuradores confirmam que Crivella é um dos alvos da investigação, ao que tudo indica por causa de sua proximidade com o operador.
Ao saber que a denúncia seria publicada pelo jornal O Globo, Crivella se antecipou e divulgou nas redes sociais da prefeitura um vídeo em que acusa o jornal de ser um “panfleto político”. Depois da publicação, postou novo vídeo com ofensas aos autores da reportagem. O destempero verbal do ex-bispo, conhecido pelo tom pausado e didático, faz parte de uma das táticas que ele pretende usar para se reeleger: segundo aliados e adversários do prefeito ouvidos por VEJA, a imprensa sempre será seu alvo preferencial quando aparecerem denúncias desabonadoras. Outras estratégias compõem seu arsenal. Uma delas é buscar escancaradamente ligar seu nome ao de Jair Bolsonaro, aproveitando a brecha aberta pelas desavenças do presidente com o governador do Rio, Wilson Witzel — na trilha desse objetivo, Crivella marca presença em toda e qualquer passagem de Bolsonaro pela cidade e anda insistindo para que ele indique o vice de sua chapa em 2020.
Para dar asas à sua candidatura, uma linha de ação do prefeito é pisar no acelerador nos gastos com publicidade. De acordo com um levantamento obtido por VEJA, em três anos foram desembolsados 145 milhões de reais para lustrar a imagem do governo, sendo 59 milhões só em 2019 (19 milhões a mais do que em 2018). O valor total é 24% mais alto do que a verba destinada à contenção de encostas, um constante ponto de atrito entre a prefeitura e a população. A Avenida Niemeyer, cartão-postal da cidade, está interditada há seis meses em decorrência de deslizamentos, e até hoje só metade das obras foi concluída. Quase todos os dias, o trânsito entre a Barra e a Zona Sul fica um caos em decorrência disso. Às sextas, ainda pior, o inferno se instala. “Ele abandonou o Rio”, acusa a vereadora Teresa Bergher (PSDB). “Crivella desistiu de ter um projeto para a cidade e só pensa em se perpetuar no poder”, completa o vereador Paulo Messina (PSD), ex-secretário e eminência parda do governo, hoje desafeto de Crivella. Em nota, a prefeitura diz que os gastos mencionados incluem pagamentos de salários e que é “obrigação dar publicidade aos atos da administração pública”.
No contato mais direto com potenciais eleitores, a prefeitura vem orientando administradores de bairros a mostrar a grupos escolhidos um vídeo de dezesseis minutos, intitulado Você Sabia?, de pura exaltação a feitos de sua gestão. Na abertura, Crivella aparece dizendo: “Olha, você já deve ter ouvido que o prefeito não está fazendo nada”. E tome bondades, mais ou menos fundamentadas. Dois assessores, Marcos Luciano e Margareth Cabral, são os responsáveis, em um grupo de mensagens a que VEJA teve acesso, por instruções bastante específicas aos administradores sobre como exibir o vídeo: além de projetá-lo em telões instalados em praças e salas de órgãos públicos, eles precisam gravar depoimentos de quem assistiu a ele, com um roteiro preestabelecido. Pergunta: “Você sabia dessas coisas?”. Resposta ensaiada previamente: “Não”. Pergunta: “Por quê?”. Resposta decoradinha: “Porque a Globo não mostra”. Com 72% de desaprovação, segundo uma sondagem da Paraná Pesquisas feita no mês passado, Crivella não mede esforços para tentar reverter o quadro. É a prefeitura cuidando do que, na verdade, importa para ela: a reeleição do prefeito.
Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664