Apagão de engenheiros compromete obras e projetos estratégicos no Brasil
A queda acentuada do interesse dos jovens pela área desafia os planos de crescimento das empresas e ameaça a execução de programas estratégicos para o país

Antes vistas como a garantia de bons salários e status social, as carreiras de engenharia enfrentam um preocupante desprestígio entre os jovens. De 2015 a 2023, o número de universitários matriculados em faculdades da área recuou 25%, de pouco mais de 1 milhão para 763 000, segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Em algumas especialidades, o tombo é ainda maior. É o caso da engenharia civil. Mesmo que seja o curso mais procurado, o total de matriculados caiu 52%. A escassez de engenheiros já atrapalha os negócios em quase todos os setores. “Esses profissionais são fundamentais para que as empresas sejam mais eficientes, inovadoras e bem-sucedidas”, diz Vinicius Marchese, presidente do Confea. O problema ameaça, inclusive, a própria capacidade de o Brasil crescer. “Sem engenheiros, programas como o Minha Casa, Minha Vida e o novo PAC se tornarão inviáveis.”
Diversos fatores contribuem para o apagão. O primeiro é a má formação em ciências exatas, como matemática e física, que os estudantes carregam desde o ensino fundamental. O despreparo os leva a rejeitar carreiras em que tais conhecimentos são necessários. Uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva para o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) revelou que só 12% dos alunos do ensino médio pensam em cursar engenharia. Além de atrair poucos interessados, as faculdades da área enfrentam grande evasão: de cada 100 ingressantes, apenas 35 se formam. A desistência é fruto das falhas de formação com que os alunos chegam ao curso superior, das dificuldades financeiras para custeá-lo e dos currículos engessados, incapazes de empolgar uma geração que já nasceu conectada. Uma solução para a evasão seria ampliar os programas de estágio. “Além de gerar renda para bancar os estudos, o estágio permite que o jovem aplique na prática o que aprendeu”, afirma Maíra Saruê, diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva.

Parte dos universitários e dos recém-formados também é seduzida pela ideia de fazer carreira no mercado financeiro, onde eles enxergam um meio de enriquecer rapidamente. “A promessa de grandes ganhos na área financeira seduz os jovens”, diz Yorki Estefan, presidente do SindusCon-SP, entidade que reúne as construtoras paulistas. Mais da metade dos formados na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo se torna financista. Em todo o Brasil, apenas 40% dos egressos solicitam registro nos conselhos regionais de engenharia para atuar na sua área de formação. Nesse cenário, as empresas penam para atrair novos talentos. A Gerdau, maior siderúrgica do país, abre 300 vagas de estágio por ano nas áreas de engenharia. Com isso, poderia absorver todos os 200 engenheiros metalúrgicos e de materiais que o Brasil forma — e ainda faltaria gente. A Vale, outro peso-pesado do capitalismo nacional, emprega 6 400 engenheiros e, para manter as operações já consolidadas e sustentar os planos de crescimento, precisa contratar cerca de 600 por ano, mas a oferta de mão de obra caiu. O número de universitários cursando engenharia de minas recuou 36% em oito anos. “A redução é um desafio para o setor de mineração”, diz Ricardo Pina, gerente de atração e aquisição de talentos da Vale.

Mesmo setores que vivem uma explosão na oferta de profissionais encontram dificuldades. É o caso da área de tecnologia. De 2015 a 2023, os matriculados em engenharia de computação saltaram 144%, para 43 000. Os cursos de engenharia de software são frequentados agora por 54 000 alunos, uma disparada de 1 400%. Ainda assim, as empresas não conseguem preencher todas as vagas, devido ao forte ritmo de crescimento do setor. Um exemplo é a Uber, cujo escritório brasileiro já contratou 190 profissionais de tecnologia, mas ainda restam oitenta vagas. O objetivo é transformar o país em um grande centro de inovação global. Por isso, o plano é contratar mais 200 no ano que vem, encerrando 2026 com 700 engenheiros de programação. “Atrair pessoas está cada vez mais complexo”, diz Rafael Pereira, diretor de engenharia da Uber no país.
Cativar os futuros engenheiros o mais cedo possível é a estratégia da maioria das empresas para não ficar na mão. Na Vale, o Programa Desenvolver premia estudantes de graduação e pós-graduação que apresentem soluções inovadoras para problemas propostos pela mineradora. A Gerdau criou o projeto Engenheiros do Amanhã. Além de divulgar a profissão a alunos do ensino médio, a iniciativa concedeu em 2024 vinte bolsas para cursos preparatórios para o vestibular. Os aprovados na faculdade recebem uma ajuda de custo e passarão as férias em estágios de curta duração na empresa. “Começamos a sentir mais dificuldade de preencher as vagas de estágio em 2023 e decidimos agir”, diz Flavia Nardon, diretora de pessoas da Gerdau. A siderúrgica é um exemplo de que o desprestígio da engenharia junto aos jovens é um fenômeno global. Como uma das maiores multinacionais do Brasil, a empresa começou a enfrentar esse problema nos Estados Unidos anos antes de ele se manifestar aqui.

Os esforços das empresas para lidar com a escassez de engenheiros não eximem o governo da obrigação de encontrar uma solução. Para especialistas, o melhor caminho é criar políticas públicas que incentivem os brasileiros a cursar engenharia, como a promoção de olimpíadas de matemática para estudantes do ensino fundamental e médio, a concessão de bolsas de estudo para os universitários e a criação de estímulos para que as empresas contratem os recém-formados. “O Brasil precisa estimular essas carreiras da mesma forma como fizeram a China e a Coreia do Sul”, diz Humberto Casagrande, presidente do CIEE. Não é à toa que esses países deram um salto de crescimento. Afinal, só se constrói o futuro com a ajuda dos engenheiros.
Publicado em VEJA, setembro de 2025, edição VEJA Negócios nº 18