Antes mesmo de tomar posse, Luiz Inácio Lula da Silva já estava disposto a vender ao mundo a ideia de que o Brasil iria se transformar numa potência verde. No final de 2022, o então presidente eleito desembarcou no Egito para participar da COP27 — a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas —, com o discurso de retomar o protagonismo do país junto aos principais líderes mundiais no que diz respeito a mudanças climáticas, preservação ambiental e desenvolvimento sustentável. O recado foi claro e colocou a Amazônia no centro da questão. Ao lado de Marina Silva, escolhida como ministra do Meio Ambiente da nova gestão, o petista reafirmou o discurso de campanha, garantindo desmatamento zero em todos os biomas nacionais até 2030, e ainda prometeu uma luta implacável contra crimes ambientais. O jornal americano The New York Times classificou a participação de Lula como “exuberante” e fez um paralelo com o “desmatamento desenfreado” perpetrado por Bolsonaro. Com a descrição de um “Brasil de volta”, o Washington Post assinalou os avanços de Lula rumo a se tornar um “líder global do clima”.
Desde então, é inquestionável que o governo melhorou sensivelmente a imagem do país no exterior com relação aos cuidados com o meio ambiente. Era uma guinada mais do que necessária. A Amazônia continua no foco dos olhares de todo o planeta e a recente visita de Emmanuel Macron é mais um exemplo de como a floresta está no centro das atenções do mundo. A passagem do presidente francês por aqui nesta semana teve como saldo o anúncio de um plano de 5,4 bilhões de reais em investimentos públicos e privados em projetos de pesquisa sobre bioeconomia e sustentabilidade no bioma pelos próximos quatro anos. A iniciativa prevê uma parceria entre bancos públicos brasileiros e franceses e deve ser implementada até a COP30, que acontece em 2025 pela primeira vez no país, em Belém.
Nesses tempos em que as manchetes nos veículos internacionais de imprensa ainda são constantes a respeito dos problemas da Amazônia, o governo Lula comemora um feito relevante: a queda no desmatamento. O Brasil fechou 2023 com uma redução de 22% na taxa em relação ao ano anterior e alcançou o patamar registrado em 2008. Foram cerca de 9 000 quilômetros quadrados desmatados no período, uma inflexão após quatro anos do governo Bolsonaro, quando o país manteve um patamar acima dos 10 000 quilômetros quadrados destruídos. Os números parciais referentes ao primeiro bimestre de 2024 apontam para a mesma direção: a taxa de desmatamento foi a menor na comparação com o mesmo período dos últimos seis anos. O governo federal atribui a redução principalmente à retomada do esforço de fiscalização. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, durante 2023 houve aumento de 104% dos autos de infração aplicados pelo Ibama.
A redução do ritmo de destruição obtida agora contrasta com as políticas adotadas pelo governo anterior. Sob qualquer ângulo que se olhe, a gestão de Bolsonaro no meio ambiente foi um desastre, que piorou situações já graves e manchou a reputação do Brasil no exterior. Durante sua presidência, ele esvaziou e dilapidou órgãos de controle e fiscalização, além de promover uma política permissiva às atividades causadoras de degradação, como queimadas, extração ilegal de madeira e garimpo. O resultado é que, durante o seu mandato, o desmatamento cresceu 73%. Se não bastasse, na política externa, Bolsonaro adotou uma postura de embate com nações interessadas na preservação ambiental, como a Noruega e a Alemanha, o que resultou na suspensão, em 2019, dos repasses ao Fundo da Amazônia, criado em 2009 para financiar ações de combate ao desmatamento e de fiscalização. Ele só foi retomado no governo Lula, com saldo de 3 bilhões de reais para serem aplicados na região. Na mesma toada, o presidente reformulou o Fundo Clima, paralisado na última gestão: novas regras aprovadas para a aplicação do financiamento de projetos voltados ao desenvolvimento sustentável vão garantir a disponibilização de até 10,4 bilhões de reais para iniciativas de combate à crise climática. Também de olho na proteção ambiental, o governo assinou neste ano o decreto que retoma a Comissão de Gestão de Florestas Públicas.
Com medidas assim, o governo rapidamente conseguiu reverter a imagem de pária ambiental diante do mundo e, a exemplo do progresso na questão do desmatamento, vem adotando ações efetivas, sem ficar apenas no discurso. Os desafios, no entanto, continuam enormes. O próprio desmatamento, apesar das reduções a ser comemoradas, segue em índices preocupantes. Segundo estudo publicado na revista Nature, uma das publicações científicas de maior prestígio do mundo, a Amazônia pode atingir um “ponto de não retorno até 2050”. Os dados fazem parte de um levantamento de pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e significam, na prática, que o bioma está perto de atingir um limite que, após ultrapassado, resultaria na mudança irreversível do ecossistema. Entre um dos principais elementos de estresse listados pelos estudiosos, está o desmatamento acumulado.
Outros problemas históricos da região continuam ganhando contornos mais dramáticos — e vários deles ainda não mereceram a devida atenção do atual governo. A região amazônica, onde vivem cerca de 28 milhões de pessoas, tem indicadores inferiores à média nacional em todas as áreas, como necessidades humanas básicas (água, moradia, segurança), fundamentos para o bem-estar (saúde, educação e informação) e oportunidades (direitos, liberdades e inclusão social). O mais agravante é que os números, relativos a 2023, pouco mudaram nos últimos dez anos. “A Amazônia estagnou enquanto o restante do país cresceu”, observa Adalberto Mesquita, pesquisador e cofundador do Imazon. “Hoje a região é o que foi o Nordeste no passado.” Esse quadro de penúria é campo fértil para a expansão dos problemas relacionados à segurança pública. A região tem atraído cada vez mais a atenção de facções criminosas nacionais e internacionais, que dominam o tráfico de drogas e de recursos naturais. O resultado: taxas de homicídios, estupros, feminicídio e letalidade policial acima da média nacional.
Nada é mais simbólico da falha de atuação do poder público na região amazônica do que a situação dos indígenas, justamente para um governo que criou o primeiro ministério dedicado à questão. O grito de socorro do povo ianomâmi é o mais urgente do momento. Imagens de crianças em avançado estado de desnutrição e alvos de doenças causadas pela contaminação pelo mercúrio passaram a circular pelo mundo. Dados do Ministério da Saúde apontaram que 570 crianças de até 5 anos da etnia morreram entre 2019 e 2022, sendo que 99 apenas no último ano. O governo decretou estado de emergência na terra indígena e promoveu ações para atendimento à população e a expulsão dos mais de 20 000 garimpeiros que atuavam na região. Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal determinou que seja investigada possível participação de autoridades da era Bolsonaro na prática de genocídio. As ações do governo Lula surtiram alguns efeitos, mas, um ano depois, a situação ainda inspira cuidados, principalmente pela insistência dos garimpeiros em atuar na região. O governo então mudou a estratégia e promoveu ações para garantir a presença permanente do Estado por ali, como a implantação, em fevereiro deste ano, da Casa de Governo em Roraima, que vai gerenciar as ações de saúde, segurança e direitos humanos.
Igualmente simbólica, a escolha de Marina Silva para chefiar o Ministério do Meio Ambiente não veio acompanhada do apoio político necessário. Se, por um lado, seu currículo como titular da pasta nos primeiros mandatos de Lula a cacifou para o posto, por outro, a ambientalista se viu às voltas com o pragmatismo que costuma mandar na política — e do qual Lula não hesita em lançar mão quando necessário. Exemplo disso foi a dança das cadeiras feita em junho do ano passado para acomodar interesses de caciques do Congresso e garantir, em troca, a aprovação de medidas caras ao governo, que patinava na articulação. O acordo envolveu o esvaziamento da pasta de Marina. O principal revés foi a transferência do Cadastro Ambiental Rural, registro usado para mapear grilagem de terras e áreas desmatadas, para o Ministério da Gestão. Outro ponto de atrito foi a questão da exploração de petróleo na foz do Amazonas. Marina, que defende abertamente o abandono dos combustíveis fósseis, parece voz vencida no governo em relação à perfuração, que está em processo de liberação de licenças por parte do Ibama. A ministra já declarou que a autorização, solicitada pela Petrobras e negada duas vezes, é “técnica” e que o instituto faz a análise com “isenção”. A titular ainda disse que o debate sobre exploração ou não de petróleo é uma decisão “de governo”, e não de sua pasta.
No que depender do Palácio do Planalto, ao que tudo indica, Marina perderá outra batalha. Nos últimos dias, o diretor do Ibama, Rodrigo Agostinho, anunciou que o governo publicará em breve um decreto sobre a necessidade de um estudo ambiental para a exploração petrolífera no local e em outras áreas sensíveis, avaliando o impacto da produção. A análise deverá ser feita de forma conjunta entre os ministérios do Meio Ambiente e o de Minas e Energia. O anúncio foi interpretado como um sinal de que Lula está disposto a dar sinal verde para a Petrobras.
Além de resolver a complexa equação de equilíbrio entre os cuidados ambientais e o progresso, não será fácil reverter problemas que foram se avolumando após décadas de omissão do poder público na Amazônia. Especialistas consideram que a solução passa por políticas muito mais duradouras, tendo em conta que muitas delas só vão apresentar resultados a médio e longo prazo. No campo externo, o país precisa estreitar ainda mais relações com nações interessadas na preservação. Evidentemente, o Brasil também precisa fazer sua lição de casa. Intensificar a atuação do Estado, com medidas mais agressivas de combate ao crime, ao mesmo tempo em que investe na regularização fundiária da região e tira do papel um projeto mais efetivo de desenvolvimento econômico sustentável. O mundo inteiro está de olho e torce para que o Brasil vença essa batalha.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886