Apreensão de celular de lobista pela PF pode decifrar caso da venda de sentenças no STJ
Polícia Federal pediu ajuda ao Supremo para impedir 'engavetamento' de investigações sobre esquema
Na última edição, VEJA revelou o conteúdo de quatro anos de diálogos entre o advogado Roberto Zampieri e o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, personagens centrais de um esquema de compra e venda de sentenças que envolveu servidores de quatro gabinetes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Polícia Federal investiga o caso há pelo menos três meses. No início de outubro, os delegados concluíram que precisariam de uma autorização do Supremo Tribunal Federal para prosseguir com a apuração, o que significa que havia a necessidade de investigar um ou mais personagens com direito a foro especial. Foi enviado então um ofício à Justiça Federal, onde o inquérito tramitava, com pedido para que ele fosse imediatamente remetido ao STF. No documento, o órgão explicou os motivos da solicitação, listou os alvos e pediu urgência, já que havia risco de destruição de provas. Apesar dessa ressalva, o material só foi encaminhado na sexta-feira 18, ainda assim somente depois de um jogo de pressão que envolveu altas autoridades da República diante da suspeita de que havia uma ação orquestrada para impedir que a investigação avançasse.
Armazenado em um HD, o acervo que agora está nas mãos do ministro do STF Cristiano Zanin revela como Zampieri e Andreson conseguiam obter decisões e sentenças favoráveis a seus clientes subornando funcionários do STJ. Os diálogos foram encontrados no celular do advogado, assassinado no final do ano passado em Cuiabá. Um dos primeiros desafios dos responsáveis pela investigação foi separar o que havia de concreto nas conversas do que parecia bravata dos criminosos. Foi a partir desta triagem inicial que a apuração se concentrou nos gabinetes de quatro ministros, embora nos mais de 3 500 arquivos da memória do aparelho tenham sido resgatadas citações a pelo menos mais uma dezena de ministros do mesmo STJ, referências a autoridades e empresários poderosos em questões que envolvem disputas por terras, brigas empresariais de gigantes do agronegócio, causas de interesse de grandes bancos e processos disciplinares de juízes do Mato Grosso afastados do cargo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por suspeitas de receber propinas do grupo.
A demora da Justiça Federal em enviar o caso ao Supremo, considerada fora do padrão por quem acompanha o caso, fez brotar a suspeita de que haveria um movimento de blindagem para evitar que as investigações seguissem seu curso normal. Por conta disso, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, procurou pessoalmente o ministro Flávio Dino, que havia sido seu superior hierárquico no Ministério da Justiça, para tratar sobre o caso. O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, chegou a ameaçar abrir um processo contra o juiz responsável caso ele insistisse em postergar o envio das provas à Suprema Corte. A pressão deu certo. Na segunda-feira 21, o ministro Cristiano Zanin encaminhou à Procuradoria-Geral da República os três inquéritos abertos pela Polícia Federal para que o Ministério Público defina os próximos passos da apuração.
Caberá ao procurador-geral, Paulo Gonet, analisar, por exemplo, o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou uma operação bancária considerada atípica do ministro do STJ Paulo Moura Ribeiro. Gonet vai dar um parecer se essa informação, acrescida do que a Polícia Federal já descobriu sobre o caso, é ou não suficiente para investigar o ministro. Nos últimos dias, Moura Ribeiro procurou integrantes do STJ para se explicar. Ele negou irregularidades ou envolvimento com o grupo investigado e disse que os valores que aparecem em sua conta seriam fruto de uma transação imobiliária recente. Além dele, a PF pede autorização para prosseguir com os inquéritos que apuram a venda de sentenças nos gabinetes dos ministros Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Og Fernandes. Vale ressaltar que não há qualquer evidência da participação dos ministros no esquema. A única certeza por enquanto é que decisões judiciais eram comercializadas com a participação de servidores do órgão — dois deles já identificados por uma sindicância. Na quinta-feira 24, aconteceu um episódio com potencial de espalhar nitroglicerina no caso: agentes da PF realizaram buscas nos endereços de Andreson em Brasília e Cuiabá. O celular do lobista, cujo conteúdo pode ser valioso em informações, foi apreendido. Os investigadores esperam encontrar no aparelho respostas para alguns enigmas que ainda precisam ser decifrados.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916