“As concessões podem salvar nossos parques”
Parcerias como as que o governo pretende fazer em Jericoacoara, Lençóis Maranhenses e Aparados da Serra unem o útil ao agradável
O Brasil tem visto nos últimos anos um enorme avanço dos programas de concessão para a gestão de parques. O exemplo mais recente é a intenção do governo federal de concessionar parques icônicos como Lençóis Maranhenses (MA), Jericoacoara (CE) e Aparados da Serra (RS). E há razões para que isso ocorra. As parcerias entre os setores público e privado representam um amadurecimento na forma de administrar esses espaços. Tal política tem muito a contribuir para a conservação da natureza e o desenvolvimento do país.
Diante da penúria das contas públicas, o fortalecimento dessas parcerias é uma saída inteligente para viabilizar recursos para a proteção e a manutenção dos parques e prover mais e melhores serviços à população. Em países como o Brasil, onde o cobertor é curto inclusive para saúde e educação, essas parcerias também permitem que os governos lancem mão da flexibilidade privada para implementar políticas públicas e, dessa forma, superar os entraves burocráticos inerentes ao próprio regime jurídico ao qual estão sujeitos.
Os potenciais benefícios das concessões, porém, são mais profundos. A visitação aos parques contribui para uma mudança de paradigma na relação das pessoas com a natureza. Afinal, o fluxo constante de visitantes e o contato com o ambiente natural não apenas fomentam a cultura de conservação e a conscientização como também inibem a presença de ações criminosas, entre elas o desmatamento e a caça predatória. Enfim, permitem que a sociedade reconheça um patrimônio que é seu e se aproprie dele. Além disso, os contratos de concessão podem prever encargos de conservação em que o parceiro privado apoia os órgãos gestores na atividade de fiscalização e em programas de educação ambiental. Algo que colabora para que esses espaços efetivamente cumpram a função de proteger a biodiversidade e o patrimônio natural brasileiro.
Por fim, é necessário destacar o potencial das concessões na promoção do desenvolvimento econômico e de geração de emprego e renda, que é uma questão fundamental para o Brasil nos dias de hoje. Isso porque o turismo sustentável gera divisas para o país e, diferentemente do que ocorre com outros setores, com um efeito distribuído. São serviços locais, como restaurantes e pousadas, produtos típicos, como artesanato e comidas regionais, além da valorização de manifestações culturais de regiões muitas vezes distantes das capitais e dos grandes centros urbanos.
As primeiras concessões por aqui foram firmadas no fim dos anos 90, no Parque Nacional do Iguaçu. Inicialmente, o modelo adotado tinha várias semelhanças com o que é feito em alguns parques americanos, em que diferentes concessionárias assumem distintos serviços dentro da mesma área.
Mas não se trata de solução única, já que os parques são diversos e, portanto, requerem abordagens diversas também. Estamos falando de áreas que envolvem distintos biomas, realidades regionais e dimensões que, em alguns casos, podem atingir o tamanho de um país, como na Amazônia. E, como nada é definitivo num território de proporções como as do Brasil, o desenvolvimento de programas de concessão demanda ações específicas caso a caso, porque é impossível medir todas as necessidades com a mesma régua.
Exemplos dessa diversidade são as concessões recentemente assinadas para os parques nacionais de Itatiaia (RJ), Pau Brasil (BA), Chapada dos Veadeiros (GO), de responsabilidade federal (ICMBio), e o Parque Estadual de Campos de Jordão (SP), da Fundação Florestal do Estado de São Paulo.
Segundo país com maior potencial de atrair visitantes por suas belezas naturais, o Brasil ocupa apenas o 32º lugar na indústria turística
Diferentemente dos primeiros acordos, realizados em parques com visitação já consolidada, as novas concessões ocorrem em locais com menor número de turistas, o que levou à adoção de outro formato de concessão, em que um único parceiro assume toda a gestão da área destinada ao turismo. Trata-se de um modelo que favorece a disponibilidade da infraestrutura e dos serviços de maneira coordenada, algo necessário para proporcionar uma experiência completa ao visitante, além de mitigar os riscos aos potenciais investidores.
E essa perspectiva integrada também poderia trazer benefícios mais amplos se fosse além do perímetro dos parques e se estendesse às outras políticas governamentais. Isso porque o ecoturismo é um tema multifacetado, que requer abordagem mais abrangente e intersetorial. Por isso, ainda que sob a liderança da pasta do Meio Ambiente, é preciso abarcar as perspectivas do turismo e desenvolvimento regional, para citar algumas.
Tal realidade é comprovada pelo relatório de 2019 do Fórum Econômico Mundial — sobre o turismo em diversos países —, que mostra que, embora se encontre na segunda posição no quesito atratividade turística por suas belezas naturais, o Brasil está no 32º lugar em competitividade nessa indústria, justamente por questões que vão além da esfera ambiental, caso da complexidade do ambiente de negócios no país e da falta de infraestrutura.
São dimensões que não podem deixar de ser observadas diante do grande número de concessões de parques pretendido pelo poder público no Brasil. Atualmente, estudam-se acordos para mais de sessenta parques, a partir de programas conduzidos por vários governos, nos três níveis da federação — União, estados e municípios —, que se encontram em diferentes graus de maturidade. Alguns estão ainda na fase de estudos e planejamento pelas entidades responsáveis, outros em licitação ou em via de assinar contratos com a iniciativa privada. Retrato de uma agenda crescente e que avançará mais nos próximos anos.
Afinal, além de terem papel fundamental na conservação da natureza, as áreas protegidas podem ser importante fonte de riqueza para o país, contribuindo de várias maneiras para o bem-estar e a qualidade de vida da população. E isso requer uma busca constante por modelos inovadores e eficientes de gestão desses espaços, como são as parcerias com a iniciativa privada, sem, evidentemente, perder de vista o papel do Estado como regulador desses contratos.
* Fernando Pieroni, especialista em infraestrutura e parcerias público-privadas pela Universidade Harvard, é presidente do Instituto Semeia, que atua no apoio a projetos de modelo de gestão de parques
Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671