
Com a morte do maior comunicador do país, as velhas tardes de domingo nunca mais serão as mesmas. Porém, seu sorriso — que nunca foi garantia de imunidade a críticas — permanecerá vivo, como as criações e as ideias de quem partiu em 2024.
Silvio Santos
Apresentador e empresário
Talvez bastasse apenas o nome, e nada mais precisaria ser dito a respeito de Silvio Santos. Desde 1961, quando lançou na extinta TV Paulista o programa Vamos Brincar de Forca, ele nunca mais deixou os lares brasileiros — com humor e facilidade de comunicação, especialmente entre as camadas mais populares do país, de gente que crescia diante de uma tela de televisão, antes do streaming. Silvio talvez tenha sido o mais conhecido nome do entretenimento do Brasil na segunda metade do século XX, uma figura de íntima conexão com o cotidiano do cidadão comum — por meio de quadros como Porta da Esperança e Qual é a Música —, e também com os poderosos em Brasília, que o ajudaram a alavancar a carreira do camelô carioca que virou empresário, criador do SBT. Morreu em 17 de agosto, aos 93 anos.
A reinvenção do Brasil
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Washington Olivetto
Publicitário
Sem Washington Olivetto, o país seria outro, sem graça e sem ironia. Em 1978, ele criou o Garoto Bombril, vivido pelo ator Carlos Moreno, o mais longevo personagem de uma campanha de televisão, no ar até 2004. E quem há de esquecer daquele primeiro sutiã da marca Valisère, comercial estrelado por uma menina de 12 anos em 1987, a atriz mirim Patricia Lucchesi? Entre um e outro, fanático torcedor do Corinthians, Olivetto (que os amigos chamavam de “Oliveira”) construiria uma marca que ajudaria a traçar a transição política do país que abandonava a ditadura. Ele morreu em 13 de outubro, aos 77 anos.

Cid Moreira
Locutor
Aquele “boa noite” em tom grave antecipou durante 26 anos, desde 1969, as notícias que iam ao ar no Jornal Nacional, da TV Globo — antes da onipresença das redes sociais, antes do diário eletrônico perder um tantinho de sua exclusividade nos corações e mentes do país. Pouco importava o tom da informação, fossem alegres ou felizes, fossem reais ou mentirosas, como as promovidas durante o período da ditadura militar, Moreira dava um tom de certeza, aveludado, que somente ele sabia aplicar. O vozeirão depois serviria para narrar o quadro do ilusionista Mr. M, do Fantástico, e peças religiosas. Ele morreu em 3 de outubro, aos 97 anos.
Às favas a ideologia
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Antônio Delfim Netto
Economista
Inteligente, rápido de raciocínio e afeito a ouvir o outro lado dos problemas, mudando de rumo, o economista Antônio Delfim Netto teve o dom de agradar a gregos e troianos, à direita e à esquerda — apesar de suas firmes posições ideológicas. Foi o ministro da Fazenda mais longevo do regime militar, tendo comandado a pasta de 1967 a 1974, nos governos de Costa e Silva e de Emílio Médici, tempo do chamado “milagre econômico”. Era o fiador da máxima que defende fazer o bolo crescer para depois distribuir. Foi um dos dezesseis ministros que assinaram o Ato Institucional nº 5, medida de 1968 que endureceu a repressão. Embora jamais tenha se arrependido da defesa da ditadura, dizia, no fim da vida, que apoiá-la hoje seria “idiota”. Morreu em 12 de agosto, aos 96 anos.

Maria da Conceição Tavares
Economista
Em 2010, durante a campanha presidencial, os candidatos Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB, fizeram uma rápida trégua, interromperam as diatribes e apareceram ao lado de Maria da Conceição Tavares em seu aniversário de 80 anos. O gesto indicava a relevância democrática da economista, que fora professora de ambos na Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. Nascida em Portugal, de onde viria com a família, fugida da ditadura de António Salazar, ao começar seus estudos rapidamente enveredou pela ideia do desenvolvimentismo, o crescimento alimentado pela intervenção permanente do Estado. Virou ícone dos partidos de esquerda e, recentemente, teve algumas de suas frases viralizadas nas redes sociais, dado o comportamento mercurial, sempre incisivo, por vezes engraçado — “ninguém come PIB, come alimentos”, disse certa vez, com seu inconfundível e charmoso sotaque lusitano. De 1995 a 1999 ela foi deputada federal pelo PT. O temperamento, contudo, nunca a afastou de quem pensava diferente dela — como régua a medir as discussões democráticas, sem a estúpida polarização de hoje. Ela morreu em 8 de junho, aos 94 anos.
O mundo em ebulição
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Alexei Navalny
Líder político
Ex-advogado e ativista anticorrupção, Alexei Navalny foi durante muito tempo o megafone mais estridente e o rosto mais proeminente da oposição ao presidente da Rússia, Vladimir Putin. Em 16 de fevereiro, aos 47 anos, ele morreu numa prisão no Círculo Polar Ártico, após mais de três anos de detenção. O serviço penitenciário disse que ele “se sentiu mal” depois de uma caminhada e “perdeu a consciência quase imediatamente”. A morte, supostamente de causas naturais, ainda hoje é uma sombra incômoda para o Kremlin. Embora nunca tenha, de fato, representado desafio real a Putin nas urnas, Navalny começou a expor a corrupção russa em 2008, tendo como alvo os conglomerados nascidos do desmonte das estatais soviéticas. De denúncia em denúncia, ganhou relevo internacional. Em 2016, um tribunal “especial” o condenou a mais de vinte anos de cadeia por subversão, em pena que aumentava com o passar do tempo.

Robert Badinter
Jurista
O que dizer de um advogado criminalista que, no posto de ministro da Justiça da França, conseguiu aprovar a abolição da pena de morte — o que significou o fim da guilhotina que cortara a cabeça de nobres e plebeus desde 1792? Em 1981, durante o primeiro mandato do socialista François Mitterrand, o jurista Robert Badinter conseguiu reunir a maioria dos votos da Assembleia Legislativa em torno de uma decisão sempre adiada — e finalmente aprovada por 369 votos contra 113 entre os deputados e por 161 a 126 entre os senadores. Humanista histórico, orador como poucos, homem cujas sobrancelhas espessas lhe conferiam um ar a um só tempo calmo e rigoroso, ele diria: “Quem quer uma Justiça que mata é movido por uma dupla convicção: a de que existem pessoas totalmente culpadas, ou seja, totalmente responsáveis pelos seus atos, e que pode haver uma Justiça segura de sua infalibilidade a ponto de dizer que esse pode viver e esse outro deve morrer”. Badinter morreu em 9 de fevereiro, aos 95 anos.
Da arte de empreender
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Abilio Diniz
Empresário
Ele fez da doceria do pai, o imigrante português Valentim dos Santos Diniz, fundada em 1948 em São Paulo, o maior grupo de varejo alimentício do país, o Grupo Pão de Açúcar. Abilio Diniz começou a trabalhar no negócio familiar aos 12 anos e, aos 23, convenceu o pai a transformá-lo em supermercado. Com o tempo, revolucionaria o setor — foi ideia dele introduzir o autosserviço, modelo em que o cliente retira os produtos diretamente das prateleiras, em vez de pedi-los no balcão.
A partir daí, o negócio prosperou. Em 1989, em meio a desavenças familiares, acabaria deixando a gestão do grupo. Anos depois, enquanto a empresa estava em crise, os irmãos Alcides e Arnaldo venderam suas participações a Abilio, que seria convidado pelo pai a sucedê-lo na presidência. Esse movimento foi fundamental para que o Pão de Açúcar se transformasse na fortaleza que viria a se tornar. Em 1995, decidiu abrir o capital da empresa. Não havia decisão de política econômica, no Brasil, que desdenhasse dos palpites de Abilio, profundo conhecedor dos humores do mercado e próximo da engrenagem política. Ele morreu em 18 de fevereiro, aos 87 anos.
Acordes do coração
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Sérgio Mendes
Arranjador e compositor
Em 1964, o compositor, pianista e arranjador Sérgio Mendes partiu para Los Angeles — e nunca mais voltou, a não ser em apresentações sempre muito requisitadas. A fama internacional, ao longo de 35 álbuns, brotou em 1966, com Mas Que Nada, de Jorge Ben, hoje Ben Jor, em suingue contagiante que apaixonou os americanos, a ponto de ter chegado ao topo das paradas. Em 2006, remixada pela banda Black Eyed Peas, renasceu com força. Havia quem fizesse cara feia para os arranjos algo exagerados, mas era crítica rapidamente dissipada. “Onde quer que esse moço se sente, num piano, todo mundo fica sabendo que está diante de um músico extraordinário”, disse dele Tom Jobim. Mendes morreu em 5 de setembro, aos 83 anos.

Arthur Moreira Lima
Pianista
Nenhum pianista soube passear com tanta precisão e emoção do clássico ao erudito quanto o carioca Arthur Moreira Lima. Em 1965, ele foi o segundo colocado no histórico Concurso Chopin, em Varsóvia. O certame é uma das mais altas láureas do piano erudito. A vencedora do prêmio foi a argentina Martha Argerich, que nunca deixou de revelar a sua admiração pelo brasileiro. Depois, gravaria os choros de Ernesto Nazareth, tornando peças como Odeon e Brejeiro ícones irremovíveis da cultura brasileira de repercussão internacional. “O choro é a alma da música brasileira”, disse certa vez. Nos anos 2000, em bela aventura, pôs um instrumento em um caminhão para rodar o país. Moreira Lima morreu em 31 de outubro, aos 84 anos.

Quincy Jones
Arranjador, produtor e compositor
É impossível não ter escutado agorinha mesmo algo do arranjador, produtor e compositor americano Quincy Jones. Onde quer que ele tenha posto a mão, ao construir partituras de permanente pegada jazzística, fez-se ouro. A lista de músicos com os quais trabalhou (e que reinventou) tende ao infinito e começa com nomes como Ray Charles, Count Basie, Frank Sinatra, Aretha Franklin — e, claro, Michael Jackson. Jones produziu com esmero o álbum Thriller, do rei do pop, em 1982. A dupla tinha uma ambição, fazer o “maior disco da história”. O resultado: a construção de um totem inigualável, que vendeu algo em torno de 120 milhões de cópias. Ao montar a lista de canções, com clássicos como Beat It e Billie Jean, Jones resumiu a fórmula: “Você tem de ir direto na garganta em quatro, cinco, seis áreas diferentes: rock, adulto contemporâneo, R&B e soul”, disse. Deu certo. Jones morreu em 3 de novembro, aos 91 anos.

Antonio Meneses
Violoncelista
Ele sempre foi respeitado pelos críticos mais severos e públicos mais exigentes, nos Estados Unidos e na Europa. O violoncelista Antonio Meneses, recifense radicado ainda na infância no Rio de Janeiro, tinha a aura de um raro mestre. Fez sucesso — em apresentações ao vivo e gravações cobiçadas — com as orquestras de Berlim, Londres, Viena, Paris, Moscou, Nova York e Tóquio, em parceria com maestros igualmente grandes, como o austríaco Herbert von Karajan e os italianos Claudio Abbado e Riccardo Muti. Para a Deutsche Grammophon registrou o Duplo Concerto de Brahms, com Anne-Sophie Mütter, e Don Quixote, de Richard Strauss, além das obras completas para violoncelo de Heitor Villa-Lobos — a linha serena e pura de O Canto do Cisne Negro, despojada e ao mesmo tempo lírica, é uma de suas marcas mundialmente reconhecidas, brasileiríssimas, e não há como deixar de se emocionar com o som extraído das cordas do instrumento, como se ecoasse ao céus. Ele morreu em 3 de agosto, aos 66 anos.

Seiji Ozawa
Maestro
Houve espanto seguido de silêncio quando um jornalista alemão fez a pergunta incômoda ao maestro Seiji Ozawa: “Como pode o senhor, um japonês, entender Beethoven, Mozart ou Brahms?”. Muitos anos depois, em 1979, ele daria a resposta, em uma entrevista para o New York Times: “A música é tão internacional como o pôr do sol. Ele pode ser visto desde Paris até Tóquio. Mas sempre haverá quem o aproveite e o aprecie mais. Todo mundo pode aproveitar Mozart, mas nem todas as mentes estão dispostas a prestar atenção”. Ozawa, nascido na Manchúria chinesa durante o período de ocupação japonesa, foi durante três décadas, a partir de 1973, diretor da Orquestra Sinfônica de Boston, nos Estados Unidos. Gostava de ser chamado pelo seu nome e não por “maestro”. Os cabelos longos e o sorriso estampado no rosto o fizeram popular. Ozawa morreu em 6 de janeiro, aos 88 anos.

Françoise Hardy
Cantora
Na Inglaterra, e rapidamente nos Estados Unidos, o iê-iê-iê dos Beatles reinventou a civilização ocidental, e nunca mais seríamos os mesmos, como nossos pais. Na França, a voz pequena e doce de Françoise Hardy explodiu no início dos anos 1960 com uma outra pegada: a discrição, a elegância em preto e branco, a mistura improvável de joie de vivre com melancolia. “Todos os meninos e meninas da minha idade sabem bem o que é ser feliz”, cantou em seu maior clássico, a balada à bossa nova Tous les Garçons et les Filles, de 1962. E muitas, ressalve-se, queriam ser como ela, a um só tempo clássica e revolucionária. Françoise morreu em 11 de junho, aos 80 anos.
Letras vivas
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Dalton Trevisan
Escritor
O crítico de literatura Antonio Candido foi quem melhor interpretou o trabalho do escritor Dalton Trevisan: “mestre do conto curto e cruel, criador duma espécie de mitologia da sua cidade de Curitiba”. Autor de textos sempre crus, de frases curtas — “não fale, amor; cada palavra, um beijo a menos” —, ele sempre cultivou a fama de recluso, avesso a entrevistas e a qualquer tipo de exibição pública: “o vampiro de Curitiba”, do título de um de seus textos mais celebrados. Publicou mais de cinquenta volumes, traduzidos para todo o mundo, em fama internacional que nunca o apartou do isolamento a que decidiu se submeter, longe de tudo e de todos, mas nunca da curiosidade em entender a vida do cidadão comum. Morreu em 9 de dezembro, aos 99 anos.

Antonio Cicero
Filósofo e poeta
O Brasil ficou comovido com a morte por suicídio assistido do filósofo e poeta Antonio Cicero, aos 79 anos, em uma clínica da Suíça. Autor de algumas das mais memoráveis letras de canções da MPB — “Me dá um beijo, então / Aperta minha mão / Tolice é viver a vida assim, sem aventura”, de O Último Romântico, criação de Lulu Santos, e “Meu mundo você é quem faz / Música, letra e dança / Tudo em você é fullgás”, de Fullgás, na voz da irmã, Marina Lima —, antes de partir ele deixou como legado um texto de rara lucidez e coragem: “O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. (…) Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação”. Ele morreu em 23 de outubro.

Ismail Kadaré
Escritor
O autor albanês era conhecido por sua prolífica produção literária, que abrangia contos e romances, ensaios e poesias. Suas obras tinham muitas vezes como alvo o totalitarismo de seu país natal, com uma prosa a um só tempo seca, sem gorduras, e vigorosa. No Brasil, Kadaré ficou conhecido por Abril Despedaçado, em que um jovem questiona uma tradição local — chamada Kanun, na Albânia — de vingar a morte violenta de um ente querido. Em 2001, o cineasta Walter Salles dirigiu uma adaptação para a realidade brasileira, em filme homônimo que retrata a rivalidade entre duas famílias, os Breves e os Ferreiras. Kadaré morreu em 1º de julho, aos 88 anos.

Paul Auster
Escritor
O escritor americano formado em literatura pela Universidade Columbia começou a ganhar relevo com A Invenção da Solidão, publicado em 1982, inspirado na relação com o pai, que acabara de morrer. Mas foi Cidade de Vidro (1985), volume inaugural de A Trilogia de Nova York, sua obra mais famosa, que o consolidou no universo literário como criador devotado à metrópole americana. Radicado no Brooklyn na década de 1980, Auster abraçou a cidade e fez dela personagem e cenário de boa parte de sua obra, com mais de trinta volumes. Nem por isso, contudo, sua reputação era local: foi mais aclamado na Europa do que na terra de origem e é uma das raras exportações americanas abraçadas pelos franceses. Sua arte: brincar com as coincidências, o acaso e o destino. Morreu em 30 de abril, aos 77 anos.
Ao infinito e além
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Peter Higgs
Físico
Em 1964, o físico britânico Peter Higgs intuiu a existência de uma partícula cuja comprovação viria apenas em 2012, a partir dos testes no Grande Colisor de Hádrons, em Genebra, na Suíça. Batizada de “partícula de Deus”, ela comprovaria três forças fundamentais da natureza: o eletromagnetismo, a fraqueza e a força nucleares. Enfim, da mente de Higgs brotaram ideias em torno da construção da matéria, de tudo o que é feito o mundo, afinal. Higgs ganhou o Nobel de Física em 2013. Ele morreu em 8 de abril, aos 94 anos.

Frans de Waal
Primatólogo
Os bichos — a quem hoje a humanidade entrega carinho — podem agradecer ao primatólogo holandês Frans de Waal. A partir de estudos com macacos bonobos, ele fez uma revelação: os animais têm consciência de si mesmos. Golfinhos e primatas se reconhecem em espelhos. “Não podemos tratá-los como máquinas. Tanto que hoje existem leis que os protegem, como as que proíbem, nos Estados Unidos, testes com símios”, disse De Waal a VEJA, em 2018. Morreu em 14 de março, aos 75 anos.

William Anders
Astronauta
O diálogo parecia banal. “Meu Deus! Olha aquela foto, é a Terra chegando. Uau, isso é lindo”, disse o astronauta William Anders, a bordo da Apollo 8. “Ei, não tire a foto, não está programado”, retrucou o colega Frank Borman. “Você tem um filme colorido, Jim? Me passa esse rolo…”, prosseguiu Anders. “Cara, isso é ótimo”, respondeu Jim Lovell. Aquele registro, de 24 de dezembro de 1968, é a mais conhecida — e a mais bonita — imagem do nosso planeta a partir do espaço. Durante muitos anos, o retrato foi atribuído a Borman, falecido em dezembro de 2023. Mas é obra de Anders. Ele morreu em 7 de junho, aos 90 anos, em um acidente de avião.
A alma das telas
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Alain Delon
Ator
Era inevitável que a beleza magnética de Alain Delon fosse tema de entrevistas e críticas em torno de suas atuações. Em 1990, em um programa de imensa audiência da televisão francesa, ele fez cara feia para uma pergunta e mandou ver, malcriado como sempre: “A beleza é um problema se você é bonito e burro, o que não é o meu caso. Na verdade, esse é um problema para os outros, não para mim. Minha mãe me fez como eu sou. Obrigado, mãe”. Não demorou — desde o primeiro grande sucesso no cinema, com O Sol por Testemunha, de 1960, no papel do contrafeitor Tom Ripley, criado por Patricia Highsmith — para se transformar em ícone sexual, o macho por excelência, o rosto bonito como atalho para interpretações memoráveis. Inteligente na escolha de diretores com os quais trabalharia, atuou em O Eclipse, de Michelangelo Antonioni, em 1962, Rocco e Seus Irmãos, em 1960, e O Leopardo, em 1963, ambos de Luchino Visconti. Nas décadas de 1960 e 1970, era uma das pessoas mais famosas do mundo. Nunca deixou de externar suas posições políticas, de extrema direita. Alain Delon morreu em 18 de agosto, aos 88 anos.

Gena Rowlands
Atriz
Sempre à beira do precipício, embriagadas, anestesiadas, aparentemente sem saída, as personagens da atriz americana Gena Rowlands eram sinônimo de sofrimento com elegância. Ela concorreu duas vezes ao Oscar, com Uma Mulher sob Influência, de 1974, e Gloria, de 1980, ambos dirigidos por John Cassavetes, com quem foi casada por 35 anos, até a morte do diretor, em 1989. Havia, no trabalho da dupla, uma química precisa, como se as figuras pensadas no roteiro e a condução das câmeras tivessem sido desenhadas para ela — e era isso mesmo. “Se não tivesse casado com John, talvez fosse apenas a loira de filmes românticos”, disse certa vez. Gena voltaria a brilhar em família com o aplaudido trabalho do filho, Nick Cassavetes, em Diário de uma Paixão, de 2004. Em 2016, afastada das telas e com doença de Alzheimer, ela seria reconhecida pela Academia de Hollywood com uma estatueta pelo conjunto da obra. Morreu em 14 de agosto, aos 94 anos.

Shelley Duvall
Atriz
O sorriso cheio de dentes, a magreza quase frágil e a timidez associada a alguma assertividade transformaram Shelley Duvall em atriz predileta do diretor Robert Altman. Nos anos 1970, entre a revolução do paz & amor dos 1960 e a caretice yuppie dos 1980, ela imperou nas telas de cinema. Estrela de Nashville, de 1975, e Três Mulheres, de 1977, a versatilidade, entre o riso e o choro, a levaria a experimentar, sempre com sucesso, papéis extremos. Se Altman a descobriu — e juntos mergulhariam em um único fracasso, a Olivia Palito de Popeye, em 1980 —, ela ganharia relevo mundial como a amedrontada mulher do paranoico personagem de Jack Nicholson em O Iluminado, a obra-prima de suspense e terror de Stanley Kubrick, lançada em 1980. Nos últimos anos, ela se afastara de tudo, depois de longo e produtivo período como produtora. Morreu em 11 de julho, aos 75 anos.

Maggie Smith
Atriz
Poucas atrizes tiveram o dom de encantar diferentes gerações. As crianças e adolescentes reconhecem na britânica Maggie Smith a professora e bruxa Minerva McGonagall da saga Harry Potter. Os jovens adultos a enxergam como a cáustica condessa viúva Violet Crawley, de Downton Abbey, símbolo da arrogância bem-humorada da aristocracia inglesa. “Não seja tão derrotista querida, você é tão classe média”, diz a personagem, em um tom de naturalidade de que apenas Maggie seria capaz. Contudo, apesar dos recentes sucessos de personagens já na maturidade, ela deve ser iluminada com zelo na primeira metade da vida, a prova de uma carreira construída com brilho e estudo — e nem sempre unânime aos olhos da crítica e do público. Maggie ganhou o Oscar de melhor atriz com A Primavera de uma Solteirona, filme de 1969 em que interpreta uma mestra nem sempre carinhosa com seus alunos, e o de atriz coadjuvante pela comédia romântica Califórnia Suite, de 1978. “O aspecto maravilhoso de Maggie é que ela pode saltar da comédia para a tragédia com apenas uma frase”, disse o ator e dramaturgo Alain Bennett. Morreu em 27 de setembro, aos 89 anos.

James Earl Jones
Ator e dublador
Refinado ator de formação shakespeariana, prodigioso intérprete em 120 filmes e noventa séries de televisão, James Earl Jones colou seu nome ao século XX, aqui na Terra e quem sabe em galáxias muito, muito distantes, pela voz rouca e pausada de Darth Vader, o vilão da franquia Star Wars, lançada em 1977. “No, I am your father”, no original, em inglês, na revelação feita a Luke Skywalker, ecoará até o fim dos tempos. Jones gostava de contar uma anedota, que se não é verdadeira, é bem provável: ao pegar táxis, invariavelmente os motoristas identificavam o timbre e imaginavam estar transportando o vilão dos vilões. Jones morreu em 9 de setembro, aos 93 anos.

Anouk Aimée
Atriz
A atriz francesa Anouk Aimée, nascida Françoise Judith Sorya Dreyfus, adotou o nome artístico da personagem de seu primeiro filme, quando tinha apenas 14 anos — a Anouk de La Maison Sous La Mer, de 1947. Pelas mãos de Federico Fellini, ganhou alguma notoriedade em A Doce Vida, de 1960, e Oito e Meio, de 1963, mas foi ofuscada pelas luzes de Anita Ekberg e Claudia Cardinale. Em 1967, contudo, charmosa como ela só, de beleza um tanto egípcia e enigmática, fora dos padrões celebrados pelo cinema europeu e americano, ganhou fama mundial em Um Homem, Uma Mulher, de Claude Lelouch, obra-prima romântica pelas ruas de Paris, aquele filme de uma das mais adesivas canções das telas — e atire a primeira pedra quem nunca cantarolou o “ba da ba da da da da da da” de Francis Lai. Anouk morreu em 18 de junho, aos 92 anos.

Donald Sutherland
Ator
Ele era capaz de variar os personagens que interpretava como nenhum outro. O canadense Donald Sutherland foi um cirurgião relaxado em campo de batalha em M*A*S*H, de Robert Altman. Foi um espião nazista em O Buraco da Agulha, de Richard Marquand. Em Gente como a Gente, de Robert Redford, foi um pai caloroso. Em 1900, de Bernardo Bertolucci, esteve na pele de um fascista. O rosto longo e fino, o olhar caído e a altura desleixada não fariam supor um galã de cinema. No início da adolescência, já entusiasmado pela arte, diz ter perguntado à mãe se o achava bonito. A resposta: “Não, mas seu rosto tem muito caráter”. Ela estava certa. Não há como sair de um filme com Sutherland sem recompensa. Ele morreu em 20 de junho, aos 88 anos.

Norman Jewison
Diretor
Raros diretores de cinema foram tão ecléticos quanto o canadense Norman Jewison, capaz de percorrer todos os estilos com excelência. É dele o fenomenal No Calor da Noite, de 1967, drama estrelado por Sidney Poitier. Comédia romântica? Poucas são tão agradáveis quanto Feitiço da Lua, de 1987, com Cher e Nicolas Cage. Musical? Atire a primeira pedra quem não chorou com Um Violinista no Telhado, de 1971, ou não se espantou com a coragem de Jesus Cristo Superstar, de 1973. Jewison foi indicado ao Oscar, como diretor ou melhor filme, em sete oportunidades — mas nunca venceu, a não ser, a posteriori, pelo conjunto da obra. Ele morreu em 20 de janeiro, aos 97 anos.

Paulo César Pereio
Ator
Se o ator gaúcho Paulo César Pereio pudesse ler seu obituário com aquele vozeirão rouco e inigualável, não haveria narrativa mais poderosa. A rebeldia, contra tudo e todos, em postura democrática, era a marca registrada de um canastrão — sempre mal-humorado, malcriado, respondão (“eu te amo, porra”, de um de seus bordões), que sabia ser delicado. Ele despontou ao sucesso em Terra em Transe, de 1967, de Glauber Rocha. Nos anos 1970, aderiu à pornochanchada. Depois, trabalharia com Arnaldo Jabor em Toda Nudez Será Castigada, de 1972, e A Dama do Lotação, de 1978. Morreu em 12 de maio, aos 83 anos.

Paolo Taviani
Diretor
Inspirados pelo movimento neorrealista italiano de Roberto Rossellini e Vittorio de Sica, os irmãos Vittorio e Paolo Taviani, líricos com os dois pés no mundo real, misturaram política e amor, temas atrelados ao cotidiano e os labirintos da paixão, para fazer alguns dos mais celebrados filmes dos anos 1970 e 1980: Pai, Patrão (1977), Palma de Ouro em Cannes, A Noite de São Lourenço (1982) e Kaos (1984). Depois da morte do irmão, em 2018, Paolo dirigiu um único filme, Leonora, Adeus, vencedor do Prêmio da Crítica no Festival de Berlim em 2022. Ele morreu em 29 de fevereiro, aos 92 anos.

Roger Corman
Diretor, produtor e roteirista
Se você já gostou de um filme mais ou menos, dito “B”, no jargão de Hollywood, e às favas os bem pensantes que impõem a qualidade máxima nas telas do cinema, agradeça ao diretor, produtor e roteirista americano Roger Corman. Ele criou clássicos de baixo orçamento tão, mas tão ruins que chegam a ser bons — A Ilha do Pavor — Ataque dos Caranguejos, de 1957; A Pequena Loja dos Horrores, de 1960, e uma série de longas baseados nos textos de Edgar Allan Poe. Mas convém celebrá-lo, em mais de setenta anos de carreira, também pelo olhar apurado para descobrir gente boa em início de trabalho. Foi ele quem lançou nomes como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Jack Nicholson e James Cameron. Dito de outro modo: Corman saberia, sem dúvida alguma, pôr de pé trabalhos que inevitavelmente levariam ao Oscar, mas seguiu trilha mais difícil. Ele morreu em 9 de maio, aos 98 anos.
O suor dos heróis
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Maguila
Pugilista
Está para nascer um esportista com o carisma do boxeador peso-pesado Maguila, em apelido roubado de um personagem de desenho animado. No início dos anos 1980, ao vencer catorze lutas consecutivas, o pugilista ganhou imensa popularidade entre adultos e crianças. Venceria, ao longo da carreira, 77 de 85 combates. Muitos criticavam a fragilidade dos adversários, a falta de técnica dos oponentes, mas ela seguia em frente. Nos anos 1990, Maguila lutou contra estrelas como Evander Holyfield e George Foreman, mas seria derrotado. E daí? O pugilista ria com ironia. “Queria lutar com Mike Tyson, pedi para marcar”, disse. “Só que toda vez que a gente agendava ele era preso.” Morreu em 24 de outubro, aos 66 anos. Sofria de encefalopatia traumática crônica, conhecida popularmente como demência pugilística.

Johan Neeskens
Jogador de futebol
Como havia um outro Johan, o inigualável Cruyff, Johan Neeskens foi apelidado de Johan II. Merecia alcunha própria o coadjuvante que, em muitas partidas, brilhava mais do que o lendário parceiro, de elegância e visão de jogo equivalentes. O meio-campista era peça fundamental na engrenagem do “Carrossel Holandês”, que espantou o mundo na Copa de 1974, com permanente troca de posições entre os jogadores treinados por Rinus Michels. Foi de Neeskens o gol de pênalti, logo aos 2 minutos de jogo, na final vencida pela Alemanha de Franz Beckenbauer por 2 a 1, em Munique. Em 1978, a Holanda de Neeskens voltaria a perder uma final, para a Argentina de Mario Kempes. Ele fez 49 partidas pela seleção laranja, com dezessete gols marcados. De mãos dadas com Cruyff, brilhou no Ajax de Amsterdã e no Barcelona. Foi um dos ícones imortais dos anos 1970 no esporte. Morreu em 6 de outubro, aos 73 anos.

Celeste Arantes do Nascimento
Dona de casa
Não se brinca com o zelo de uma mãe pelo filho. Celeste Arantes do Nascimento sabia que Edson era bom de bola, o melhor entre os meninos de 10 anos, um pouquinho mais, um pouquinho menos, das ruas Sete de Setembro e Rubens Arruda, em Bauru, no interior de São Paulo. O.k., ele podia só pensar em chutar qualquer coisa que girasse, de couro, meia ou papel, mas desde que não faltasse na escola. O próprio Pelé recordou, em sua autobiografia, o momento em que o passatempo virou obsessão: “Dona Celeste percebeu isso depressa, claro, e, vigilante como sempre, procurou se certificar de que eu dedicava pelo menos algum tempo aos estudos”. Ela morreu em 21 de junho, aos 101 anos, um ano e meio depois do filho que virou “Rei”.


Zagallo e Beckenbauer
Jogadores e treinadores de futebol
Foi coincidência, é claro, mas os deuses do futebol sabem o que fazem, e trataram de organizar a despedida de Mario Jorge Lobo Zagallo e Franz Beckenbauer com apenas dois dias de diferença. O Velho Lobo brasileiro morreu em 5 de janeiro, aos 92 anos. O Kaizer alemão em 7 de janeiro, aos 78 anos. Os dois fizeram história, a seu modo, de maneira similar. Zagallo foi duas vezes campeão mundial como jogador, em 1958 e 1962; uma vez como treinador, em 1970; e uma como auxiliar técnico, em 1994, de mãos dadas com Carlos Alberto Parreira. Foi o primeiro a erguer a Jules Rimet como atleta e como técnico, feito que depois o alemão Beckenbauer (e o francês Didier Deschamps) repetiria. O craque do Botafogo e da seleção inovou ao se posicionar dentro de campo de forma recuada, ajudando no meio de campo, na construção de jogadas, e também no ataque, rápido e rasteiro, embora sem a habilidade dos gênios que o acompanhavam, como Pelé, Garrincha e Didi. O craque do Bayern de Munique e da “Die Mannschaft” deu de postar-se na frente da zaga, com a função de líbero, livre para conduzir a bola a seus companheiros. Depois de Zagallo e Beckenbauer, símbolos eternos de revolução nos gramados, a bola correria diferente.

Amaury Pasos
Jogador de basquete
No fim dos anos 1950, começo dos 1960, tratavam-no com a louvação que apenas Pelé viria a ter no futebol. Depois de iniciar a carreira como pivô e então transformar-se em armador, o jogador de basquete paulista Amaury Pasos foi bicampeão do mundo pela seleção, em 1959 e 1963 — eleito o melhor da competição nas duas oportunidades. Ganhou também a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1960 e 1964. Para muitos, foi o maior basquetebolista do país, superando o parceiro Wlamir Marques e Oscar, o “Mão Santa”. Arremessava e passava as bolas com igual genialidade. Atuou pelo Corinthians e pelo Sírio. Pasos morreu em 12 de dezembro, aos 89 anos.

César Luis Menotti
Treinador de futebol
“El Flaco” mudou a história da seleção da Argentina — e a um time afeito a botinadas e drama, como num tango, dramático e choroso, tratou de ensinar o jogo em conjunto, com atacantes rápidos e inteligência tática. Menotti estava no comando da albiceleste na Copa de 1978, jogada em casa diante dos horrores da ditadura, e que foi vencida pela equipe de Mario Kempes, Luque, Fillol e cia. O time era francamente ruim, apenas esforçado — mas movimentava-se com organização. Naquele Mundial, é o que contaria o truque da engenharia reversa, Menotti barrou um certo Diego Armando Maradona, de meros 17 anos — jovem demais para torneio de tanta envergadura. Ele morreu em 5 de maio, aos 85 anos.
Entre o imaginário e o real
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Ziraldo
Cartunista e escritor
“…E foi aí que todo mundo descobriu que ele não tinha sido um menino maluquinho. Tinha sido era um menino feliz.” As últimas linhas do clássico infantil O Menino Maluquinho serviria de epitáfio para a vida e obra do cartunista e escritor Ziraldo. Sem ele, não saberíamos rir ou chorar. Pode-se contar a história do país, dos horrores impostos pela ditadura militar durante os anos 1960 e 1970 até o tempo de esperança que brotaria com a democratização, pela pena a um só tempo engraçada e melancólica, em preto e branco ou em cores, do artista nascido em Caratinga, cidade de Minas Gerais — ou então tingida de Flicts, a cor de 1969 inventada para um livro que ainda hoje emociona pela defesa da diversidade e contra o bullying, em temas que muito depois é que ocupariam a cabeça de quem andava no mundo da lua. Ziraldo morreu em 6 de abril, aos 91 anos.

Sérgio Cabral
Jornalista e escritor
A história do Rio de Janeiro — especialmente o capítulo dedicado ao Carnaval e ao samba — estaria à sombra não fosse o trabalho do escritor, jornalista, pesquisador e compositor Sérgio Cabral. Autor das biografias de Tom Jobim, Pixinguinha, Nara Leão, Grande Otelo, Ataulfo Alves e Elizeth Cardoso, ganhou notoriedade na iconoclasta equipe do semanário humorístico O Pasquim, no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, ao lado de nomes como Ziraldo (leia acima) e Jaguar — em meio à rica balbúrdia das piadas e ironias, Cabral era a voz sensata. Vascaíno de coração e mangueirense apaixonado, era celebrado pelos músicos cariocas como um dos mais interessantes divulgadores do trabalho da turma. Ele chegou a ser vereador e secretário municipal de Esportes e Lazer do Rio de Janeiro — gosto pela administração pública que legou a Sérgio Cabral Filho, ex-governador do estado. Morreu em 14 de julho aos 87 anos.

Rosa Magalhães
Carnavalesca
Em mais de cinquenta anos de carreira, Rosa Magalhães é a carnavalesca com mais vitórias no Sambódromo carioca, somando sete títulos por escolas como Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense e Vila Isabel. Foram mais de quarenta desfiles assinados por ela. Conhecida como “a professora”, cargo que exerceu de fato na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, revolucionou os desfiles a unir a história com H maiúsculo a visões oníricas e mitologias da cultura brasileira. Fez da avenida uma cena aberta de teatro e ópera. Uma de suas ideias virou um clássico, em enredo construído com Lícia Lacerda: o “Bum Bum Paticumbum Prugurundum”, do Império Serrano, vencedor do Grupo Especial em 1982, em torno da descaracterização das escolas de samba e o desprezo pelo papel do sambista. Ela morreu em 25 de julho, aos 77 anos.

Evandro Teixeira
Repórter fotográfico
Enxerguemos o Brasil pelas lentes de Evandro Teixeira: as imagens do baiano filho de um fazendeiro e de uma dona de casa de Irajuba, a 300 quilômetros de Salvador, nascido no dia do Natal, ajudam a contar — prioritariamente em preto e branco — a história do país a partir da segunda metade do século XX, em especial o terrível período da ditadura militar.
Contratado pelo Jornal do Brasil em meados dos anos 1960, Evandro fotografou a violência de quepe como ninguém antes o fizera. Na madrugada de 1º de abril de 1964, registrou o deslocamento dos soldados no Forte de Copacabana, debaixo de chuva, na contraluz, que estamparia a capa do JB — e logo virou símbolo, como manifesto, dos horrores que viriam. Em junho de 1968, meses antes da decretação do AI-5, fez outro registro memorável durante uma manifestação contra o governo — a do estudante cercado por dois policiais, de cassetetes em mãos, caindo no asfalto em torno do Teatro Municipal no Rio. “Ele tem uma fotografia de resistência, humanística, na linha de frente”, diz Sergio Burgi, curador de uma mostra dedicada a seu trabalho que, no ano passado, ocupou as salas do Instituto Moreira Salles, do Rio e São Paulo. Morreu em 4 de novembro, aos 88 anos.

Richard Serra
Escultor
Richard Serra parecia transportar para os séculos XX e XXI, o nosso tempo, a grandeza de monumentos da Antiguidade ou das pedras místicas de Stonehenge, na Inglaterra, dada as dimensões do que criava. Suas esculturas, feitas de círculos, elipses e rampas de aço e ferro, revelam quão pequenos somos diante da vastidão do mundo — daí o impacto de sua produção, afeita a fazer pensar e a incomodar a banalidade. Ele dizia que seu trabalho, minucioso, de artesão, exigia o “caminhar e olhar”, dada a imensidão arquitetônica de peças que brotam como edifícios — e que, paradoxalmente, parecem leves como plumas. No Brasil, um de seus trabalhos, a escultura Echo, composta de duas chapas de 18 metros de altura, pode ser vista no Instituto Moreira Salles de São Paulo, na Avenida Paulista. Ele morreu em 26 de março, aos 85 anos.

Frank Stella
Artista plástico
Uma tela enorme, escura, com linhas equidistantes, traçadas em giz — a série de “pinturas negras” do americano Frank Stella o apresentou ao mundo, nos anos 1950, e rompeu com o exagero do expressionismo abstrato e coloridíssimo de nomes como Jackson Pollock (1912-1956) e Mark Rothko (1903-1970). Nascia, naquele instante de epifania, o minimalismo. Sua ideia, por óbvio, como informa a alcunha do movimento artístico, era chegar ao mínimo possível. “Pode-se contar uma história apenas com as formas”, disse. Com o tempo, Stella mudaria o tom da prosa, buscando o máximo. Passou a exibir telas não retangulares, que apontavam mais para o domínio da escultura. As obras começaram a sair da parede, literalmente, a exemplo das esculturas inspiradas no fumo dos charutos cubanos, a partir dos anos 1980. O Museu de Arte Moderna de Nova York dedicou-lhe duas retrospetivas, em 1970 e 1987. Instado a falar de sua obra, disparou uma frase mínima, irônica e, hoje, repetida à exaustão: “O que você vê é o que você vê”. É isso. Ele morreu em 4 de maio, aos 87 anos.
Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2024, edição nº 2924