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As expectativas em torno da delação de Zinho, chefe da milícia nº 1 do Rio

O criminoso é tido como um arquivo vivo com potencial de colocar atrás das grades uma horda de políticos, empresários, negociantes de armas e policiais

Por Maiá Menezes, Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2024, 09h35 - Publicado em 12 jan 2024, 06h00

Tratada como prioridade máxima e realizada sob enorme sigilo, a operação que resultou na prisão de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, o criminoso mais procurado do Rio de Janeiro, não se deu exatamente como foi divulgado. Informações obtidas por VEJA dão conta de que, no início da noite de Natal, em vez de se entregar sozinho na Superintendência da Polícia Federal, como se anunciou, a rendição do chefe da maior milícia carioca aconteceu em um território neutro, negociado entre as autoridades e sua defesa. Temendo uma eventual emboscada no deslocamento, agentes da Secretaria de Segurança Pública e da polícia o encontraram em um ponto preestabelecido, longe do raio de atuação dos seus muitos adversários, lhe deram voz de prisão e o levaram para a sede da PF, com escolta fortemente armada. A precaução se justifica: Zinho, 44 anos, é tido hoje como o maior arquivo vivo das milícias no país, com potencial de colocar atrás das grades uma horda de políticos, empresários, negociantes de armas e policiais envolvidos com a organização criminosa. Há também a expectativa de que seu depoimento leve, enfim, ao mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.

Embora dependa do aval da Justiça, um acordo de delação premiada é dado como certo — tanto os advogados de Zinho quanto as autoridades, que passaram duas semanas em intensas tratativas para a rendição, já deixaram claro seu interesse. “Ele é o bandido que mais sabe da hierarquia, da estrutura e dos vínculos da maior milícia do Rio. Tudo passava pelo Zinho, da lavagem de dinheiro aos subornos”, afirma o secretário de Segurança do Rio, Victor dos Santos, à frente da negociação. De acordo com Santos, a inteligência da polícia, por meio de informantes, identificou há seis meses a disposição do miliciano a se entregar. Enquanto os dois irmãos que o antecederam no comando, Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, e Wellington da Silva Braga, o Ecko, ambos mortos pela polícia, eram conhecidos pelo perfil violento, Zinho se concentrava em ser o cérebro financeiro da quadrilha. “Ele sempre teve a visão empreendedora do negócio e não da guerra”, acrescenta o secretário.

Com seu QG na Zona Oeste carioca e ramificações pela Baixada Fluminense, o “bonde do Zinho”, antes “bonde do Ecko” e “Liga da Justiça”, fatura ao menos 300 milhões de reais por ano com a extorsão de moradores e comerciantes, grilagem de terra, construção irregular e exploração ilegal de serviços como transporte, gás e TV a cabo. Mesmo movimentando cifras astronômicas, de acordo com a polícia, o bandido — foragido há cinco anos e com doze mandados de prisão em vigor — enfrentava uma conjunção de fatores que contribuíram para a surpreendente prisão. “O cálculo do lado dele foi que suas informações tinham valor e uma rendição era viável nesse momento”, diz um integrante da defesa do miliciano.

EXPECTATIVA - Zinho: ele pode até ajudar a elucidar o caso Marielle
EXPECTATIVA - Zinho: ele pode até ajudar a elucidar o caso Marielle (./AFP)

Pesou fortemente na decisão de se entregar a Operação Batismo, em dezembro, que mirou a deputada estadual Lúcia Helena de Amaral Pinto, a Lucinha (PSD), também chamada de “madrinha”, acusada de ser um dos elos entre o Legislativo e a milícia. Com o cerco se fechando em torno da deputada, Zinho teria perdido parte do suporte político. “Uma milícia como essa não se estabelece no Rio, dominando quase um terço do território da cidade, sem conexões poderosas”, ressaltou o então secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli. Outro empurrão teria sido a morte, em uma operação policial, de Matheus Rezende, o “Faustão”, sobrinho de Zinho e tido como o líder do braço armado de seu grupo, no dia 23 de outubro. Zinho vinha ainda enfrentando a fragmentação de seu bando e disputas com outras quadrilhas.

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Embora o foco da prisão tenha sido desbaratar o núcleo da principal milícia do país, declarações do ex-­ministro da Justiça, Flávio Dino, reforçam que ela pode representar muito mais. Em meio às tratativas para que Zinho se entregasse, das quais Dino tinha conhecimento, ele declarou: “Afirmo que haverá solução do caso Marielle e Anderson. Demos a diretriz e ela será cumprida. A Polícia Federal tem uma equipe dedicada a isso”. Recentemente, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, foi mais enfático — garantiu que o caso terá um desfecho definitivo até o fim de março. O PM Antônio João Vieira Lázaro, suspeito de integrar a gangue de Zinho e alvo de busca e apreensão em uma operação da PF em dezembro, é apontado como a conexão daquela milícia com o atentado à vereadora do PSOL, por ter supostamente participado de um encontro com os líderes do Escritório do Crime — bando de pistoleiros que atuava na Zona Oeste — para encomendar a morte.

Estima-se que, juntas, todas as milícias que atuam no Rio controlem 57,5% do território da cidade. “A prisão de Zinho não põe fim às investigações. Estamos trabalhando para asfixiar financeiramente estas organizações”, afirma a promotora Letícia Emile, do MP-RJ. Não será tarefa fácil: o prefeito carioca Eduardo Paes denunciou na última semana que integrantes do crime organizado estão exigindo 500 000 reais de empreiteiras para liberar uma obra no município. Os negócios seguem a toda.

Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875

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