Você anunciou estar grávida de gêmeas e foi atacada na internet. Tem sofrido muito preconceito?
Os haters atacaram dizendo coisas como se eu não pudesse ter o merecimento de me tornar mãe. Escrevi no Twitter: “o meu único desejo de grávida é ‘Fora Bolsonaro’”. Foi uma brincadeira. Até hoje sou alvo dos bolsonaristas. Não tive a intenção de polemizar. Recebi mensagens do tipo: “suas filhas não merecem nascer”, “você terá de abortar” e “as suas filhas terão vergonha de você”. Xingaram as minhas filhas de vadias. Para mim, a prostituição é muito bem resolvida. Comecei em 2002 e parei em 2005. Está no meu passado distante. Mas existem pessoas que não têm noção que eu, Raquel Pacheco, deixei de ser garota de programa e acabam usando isso como ataques para ofender. Me chamar de puta não ofende. O que incomoda é quando se referem às minhas filhas que nem nasceram ainda. São mensagens, em boa parte, vindas de mulheres. Muitas delas são mães e se sentem no direito de julgar.
A maternidade será um recomeço?
Com certeza. Desde 17 de janeiro quando descobri a gravidez. Ganhou um novo sentido. Estou vivendo um sonho pessoal no meio deste caos de pandemia. Será um desafio ser mãe. Percebo o quanto amadureci. Tudo que vivi foi uma experiência necessária para enfrentar este momento. Eu estava precisando de um novo sentido na vida.
A relação com sua mãe era difícil?
Foi extremamente difícil. Principalmente, na adolescência. Muito por culpa da minha rebeldia. Na infância, a minha relação com ela nunca foi profunda. Não tenho lembranças dela brincando comigo. Só das minhas duas irmãs, que são mais velhas e me davam atenção. Ela não trabalhava e ficava em casa, mas foi ausente no papel de mãe. Hoje eu entendo que ela teve problemas. Como mulher, ela se anulou com o casamento. Meu pai sempre fez questão de ser o provedor de tudo e deixou a minha mãe cuidando do lar e das filhas. Senti falta de ter uma mãe. Na minha adolescência, nunca nos divertimos juntas e a relação piorou quando eu tinha 15 anos. Nunca recebi os “parabéns” quando tirava boas notas na escola. Achei uma maneira de chamar a atenção deles fazendo coisas erradas. Não quero ser assim com as minhas filhas. Quero ser a melhor amiga delas.
Você é uma ex-garota de programa. Tem medo em relação à criação das suas filhas?
O meu único medo é da nossa sociedade machista e do que elas possam ouvir por serem filhas da Bruna Surfistinha sem conseguirem se defender. Quero que elas tenham a consciência de não se permitirem a se machucar e não terem de pagar um preço. Elas vão crescer sabendo que fui garota de programa. A ideia é que ambas me questionem e entendam ter sido apenas uma fase que durou pouco. Tenho uma vida além da prostituição. Vou explicá-las sobre o livre arbítrio, sem preconceito e no convívio da diversidade.
Sua vida virou livro, filme e série. Você também gravou filme pornô. Qual é a lição que você tira disso tudo?
O Guimarães Rosa tem uma frase que amo: “o que a vida quer da gente é coragem”. Foi a maior lição: a coragem! De assumir o que fui para o mundo. Mas a minha trajetória não é melhor do que a das outras meninas que também fizeram e fazem programa. Todas as histórias são interessantes. Sobre o filme pornô, fui ingênua e, o cachê, ridículo. Caí no papo de que iria ser comercializado no exterior. Quando surgi na mídia como Bruna, a produtora usou de má-fé, sem minha permissão, e lançou. Gravei o filme antes da fama, com 18 anos.
Como está a vida a dois?
Está ótima! Eu morava em São Paulo e, agora, fico no Rio de Janeiro. Estou noiva desde outubro do ano passado. O casamento seria em 2022. Mas, com a gravidez (os nascimentos de Maria e Elis estão previstos para setembro deste ano), o plano mudou. Resolvemos adiar por mais um ano. Em julho, lanço a minha autobiografia dos meus 36 anos, antes e depois da prostituição. Será uma publicação independente, sem editora. O último capítulo é sobre a gravidez. As vendas serão na minha loja virtual. O projeto foi intenso e ficou muito bonito.